Duplo Preconceito: A Realidade Invisibilizada de Travestis e Transexuais Negras no Brasil



 No Brasil, ser travesti ou transexual já significa enfrentar um conjunto complexo de violências que atravessam todas as esferas da vida: família, escola, trabalho, serviço público e segurança. Quando essa identidade é marcada também pela negritude, o cenário se torna ainda mais duro. Travestis e transexuais negras vivem o que especialistas chamam de dupla discriminação — o impacto simultâneo do racismo e da transfobia. Essa combinação não apenas limita oportunidades, mas produz um cotidiano de violências que, muitas vezes, fica invisível para a sociedade.


Entre o Racismo e a Transfobia: Uma Fronteira de Violências

A experiência de mulheres negras no Brasil já é historicamente marcada pela exclusão. Porém, para as travestis e transexuais negras, essa realidade se intensifica. Não se trata apenas de preconceito: é a estrutura do país operando para impedir que esses corpos existam plenamente.

Enquanto transexuais brancas enfrentam a transfobia, travestis e transexuais negras convivem simultaneamente com:

  • Racismo estrutural, que as empurra para trabalhos informais, baixa escolaridade e ausência de políticas públicas específicas.
  • Transfobia institucional, que impede o acesso a direitos básicos e retira dessas pessoas a legitimidade sobre sua própria identidade.
  • Violência física e psicológica — o Brasil ainda figura entre os países que mais assassinam transexuais, sendo a maioria delas negras.

Essa soma de fatores produz um território ainda mais hostil, onde o corpo negro trans é visto como descartável.


A Invisibilidade como Política

A ausência de dados oficiais que recortem raça e identidade de gênero impede que o poder público formule políticas eficazes. Ao não reconhecer a especificidade da vivência negra trans, o Estado contribui para a manutenção da marginalização.

Essa invisibilidade permite que problemas graves se perpetuem:

  • a evasão escolar, ainda mais acentuada para meninas travestis e transexuais negras;
  • a dificuldade de acesso à saúde, principalmente para quem está fora dos grandes centros urbanos;
  • a violência policial, que recai de forma desproporcional sobre corpos racializados e dissidentes de gênero;
  • a marginalização no mercado de trabalho formal, que fecha portas para travestis e transexuais negras antes mesmo de qualquer entrevista.


Uma Luta Histórica e Organizada

Apesar do cenário adverso, travestis e transexuais negras têm liderado movimentos fundamentais no Brasil. Organizações como a FONATRANS — que atua na defesa dos direitos da população trans negra — mostram que resistir também é construir caminhos.

Essas lideranças, muitas vezes invisibilizadas, reivindicam políticas interseccionais, ampliam espaços de fala e fortalecem redes de cuidado que salvam vidas. Protagonistas como Jovanna Cardoso da Silva (Jovanna Baby), à frente de iniciativas históricas, evidenciam que travestis e transexuais negras não apenas enfrentam o duplo preconceito — elas transformam essa realidade por meio de mobilização, formação política e solidariedade comunitária.


Reconhecer o Duplo Preconceito é o Primeiro Passo para Combatê-lo

Enquanto sociedade, é urgente reconhecer que o preconceito vivido por travestis e transexuais negras não é um fenômeno isolado: ele é estrutural, atravessa políticas públicas, instituições e comportamentos cotidianos. Enfrentar essa realidade exige:

  • políticas públicas com recorte de raça e gênero;
  • garantia de acesso à educação e saúde sem discriminação;
  • combate à violência institucional;
  • ampliação da representatividade negra trans nos espaços de decisão;
  • valorização das organizações que já desenvolvem esse trabalho na ponta.


Travestis e transexuais negras não pedem permissão para existir — elas existem apesar das barreiras. E quando ocupam espaços, abrem caminhos para muitas outras. Reconhecer essa potência é fundamental para que a sociedade avance rumo a um país onde viver com dignidade não seja privilégio de poucos, mas direito de todas.

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