Gabriela Loran cobra protagonismo para pessoas trans no audiovisual e adianta planos de ser mãe: 'Estou pronta'

Atriz, de 30 anos, que namora desde janeiro o designer e empresário Antônio Beato, de 19, avalia trajetória profissional, conta que sonhos materiais conseguiu realizar como artista e influencer e recorda como sua família lidou com a sua transexualidade


A atriz Gabriela Loran, de 30 anos, se empolga ao falar sobre Lucrécia, jornalista de fofoca que vive na série Novela, um Original Amazon coproduzido pelo Porta dos Fundos e Prime Video, que estreou no dia 28 de julho na plataforma de streaming.

"A Lucrécia veio num momento muito legal e divertido, porque eu estava criando vídeos de humor para a internet, então trouxe essa pitada de humor para ela também. Inclusive, eu criei um bordão chamado 'hey, hey, hey', que usava toda vez que ela entrava em cena. Me inspirei no TV Fama e nas fofocas dos famosos e dos artistas. A Lucrécia tem um programa na série, o que é bem legal também", conta ela, que também curte escutar fofoca. "Mas eu não passo fofoca para a frente. Eu não sei fazer fofoca, a verdade é essa. Mas eu amo ouvir uma fofoca, quem não gosta, né?", questiona, rindo.

Na série Novela, os espectadores acompanham o drama cômico de Isabel (Monica Iozzi), roteirista que luta para se tornar autora de uma novela das 21h e que, quando finalmente tem essa chance, é traída por seu mentor, o experiente e trapaceiro Lauro Valente (Miguel Falabella). A partir daí, uma sucessão de eventos inexplicáveis tira a paz do autor, do elenco e de toda a equipe da trama.

A atriz, que foi a primeira trans da história a atuar em Malhação (2018), e integrou o elenco de Cara e Coragem (2022) também estará na terceira temporada de Arcanjo Renegado (Globoplay).


Leia, abaixo, a entrevista completa

Você estreou na Globo em Malhação, em 2018, quando viveu Priscila, transexual, professora de dança e performer da arte drag. O que mudou na Gabriela atriz de lá para cá? Se sente mais madura artisticamente?
Nossa, sem dúvida amadureci muito! Quando eu fiz Malhação, foi a minha primeira experiência com televisão, né? Naquela época, eu entendi os tempos da TV, porque como sou uma atriz de teatro, a gente vive duas horas de espetáculo intensamente em uma peça. A gente não se desconecta do personagem. Já na televisão, a gente tem esse timing que é muito rápido, sabe? 'Ah, passou um avião', 'Ah, começa de novo', 'Ah, faz desse jeito'. Então, o trabalho do ator para se conectar com a personagem tem que ser intensificado e mais profundo. Porque é isso, você não pode dispersar um segundo.

Quatro anos depois você interpretou a secretária Luana em Cara e Coragem, que era grande aliada da empresária Clarice, vivida por Taís Araujo...
Cara e Coragem foi a novela em que eu, Gabriela, me batizei como atriz, porque foi um momento em que eu fui posta à prova. Eu estava gravando duas cenas por semana. De repente eu comecei a gravar 20, 30 cenas, então foi aquele momento em que disse: 'é, eu nasci para ser atriz'. Foi um desafio muito grande, mas foi um grande presente também, amadureci muito profissionalmente. E sigo com fome, eu quero mais. Eu quero mais oportunidades e quero chegar mais longe.

O que representa ser uma atriz trans na Globo em pleno 2023?
Sem dúvida eu tenho que agradecer às que vieram antes de mim. Porque foram elas que abriram portas para que eu estivesse aqui. A Rogéria e muitas outras que já estão há muito tempo na televisão. A Maria Clara Spinelli, que já veio trazendo essa representatividade há muito tempo também. Então eu tenho que agradecer muito a essas mulheres trans e travestis que vieram antes de mim. Ser uma atriz trans em pleno 2023 na TV Globo é um presente muito grande. O mais importante desse momento foi que a minha personagem não determinava o gênero dela. Então ela poderia ser trans, poderia não ser. E isso foi muito enriquecedor para mim, porque eu não precisei viver os embates e os estereótipos de viver uma personagem trans ou não, sabe? Isso foi muito legal.

Além de atriz, você é influencer. O que foi mais difícil na sua trajetória artística? Passou por muitos perrengues? Já sentiu preconceito fazendo testes na carreira artística?
Sem dúvida. Inclusive, eu já fui chamada para um teste em que queriam que eu falasse como trans, que eu andasse como trans, e o meu questionamento foi: 'mas como assim andar como trans? O que seria andar como trans?' Pessoas trans têm qualquer tipo de rosto, qualquer tipo de andar, qualquer tipo de voz, não existe um estereótipo. A gente sabe que a sociedade cresceu embasada em estereótipos errôneos em relação a pessoas trans. Mas a gente está ressignificando todos os dias. Estar ocupando esses espaços e ter oportunidades de exercer a nossa profissão com maestria é muito importante. Eu não sou uma qualquer, eu estudei. Eu me formei, eu estou preparada, tenho bagagem e quero sempre mais.

Conseguiu realizar algum sonho material trabalhando como atriz e influencer?
Nossa, eu realizei diversos sonhos, como construir a casa dos meus pais. Dei uma casa de presente para eles do zero. A gente construiu do jeitinho que eles queriam. Meu pai é uma pessoa com deficiência, então ele precisava de um carro automático e eu consegui presenteá-lo com um carro automático. Além de outros presentes, sabe? A possibilidade de pagar um plano de saúde, retirar minha mãe do trabalho dela para trabalhar comigo. Eu assinei a carteira da minha própria mãe e isso é de um valor gigantesco. Ainda tenho outros sonhos para realizar, obviamente, mas só de poder ajudar os meus pais, antes de qualquer coisa, já me faz satisfeita e feliz de ter lutado e suado todos os dias.

Você sempre fala de São Gonçalo [Região Metropolitana do Rio onde nasceu] e das suas raízes. Como foi sua infância e adolescência?
Eu amo tanto São Gonçalo que no meu perfil está escrito: 'Gabriela Loran, de São Gonçalo para o mundo'. Tenho muito orgulho das minhas origens e jamais vou esquecê-las. É impossível esquecer também porque minha família é de São Gonçalo, então estou sempre lá. A minha infância foi muito gostosa. Por mais que eu tivesse que lidar com as questões internas de desinformação, pois eu nunca me senti pertencente a nenhum grupo social na escola, ao mesmo tempo, eu fui descobrindo, desabrochando dentro do banheiro. O banheiro é o escape. No banheiro eu era Gabriela sem nem mesmo saber que eu era Gabriela. Isso foi muito incrível. Tive uma infância regada de muito amor e afeto. Obviamente, por falta de acesso à informação, minha família e meus pais cometeram determinadas situações por ignorância. Eu não culpo eles porque quando a gente não vê na TV, não vê na mídia, não vê vídeos, a gente acaba desinformado mesmo. Então eu fico muito feliz de poder ter levado informação para a minha família e hoje a gente tem uma relação muito boa.

Como sua família lidou com a sua transexualidade?
No início é aquilo, né? Tudo muito novo. Mas com o tempo a gente foi entendendo junto. Eu fui levando informação para eles. Inclusive no meu canal do YouTube tem um vídeo de entrevista com meus sobrinhos e eu acho que é super válido todo mundo assistir. Mandela diz que ninguém nasce racista. Ninguém nasce odiando os outros, nós somos ensinados a odiar. O preconceito também é uma coisa que acaba sendo implantado nas pessoas e quando você vê esse vídeo, dos meus sobrinhos, como eles me tratam, como eles se sentem, se sensibilizam, como eles são sensíveis a mim e a minha história, você entende que é isso. O contato faz toda a diferença na aceitação e na pesquisa. De lutar contra o preconceito, contra todo esse ódio que a gente não sabe de onde vem. É importante que as pessoas se permitam conhecer a realidade de pessoas como eu.

Você já contou que na pandemia teve compulsão alimentar e engordou muito. Como cuida da sua saúde mental?
Sim, durante a pandemia, durante o meu boom na internet. Porque eu acabei crescendo durante a pandemia nas redes sociais. Eu comecei a receber lanches em casa, de restaurantes, e comecei a me sentir refém do algoritmo. Eu acabava tendo aquela necessidade de postar o tempo inteiro, não só postar o tempo inteiro, mas também de sentir medo da internet, sentir medo de errar, eu acabava direcionando toda essa essa agonia para a questão alimentar. Eu comecei a fazer parcerias com muitos restaurantes. E aí comecei a ter hábitos horríveis que colocaram a minha saúde em risco. Mas, em meados do ano passado, em 2022, eu fui a uma nutricionista e fiz um check-up total. Comecei a malhar, a me exercitar de segunda a sexta, a fazer personal trainer três vezes por semana. Não fiz dieta porque não acredito em dieta, eu acho que a gente tem que comer o que a gente gosta, mas comer com consciência. Então, eu comecei a aprender a comer com consciência. Hoje eu sigo comendo tudo que eu sempre comi, mas não na proporção que eu comia antes. Eu comecei a me educar, a comer o que eu gosto, além de entender também que tudo tem o seu momento. Isso foi, sem dúvidas, muito importante. E eu cuido da minha saúde mental, estou cursando psicologia também.

O que faz para manter o corpo em dia?
Eu sigo correndo, eu comecei a desenvolver uma paixão por correr. Graças ao meu namorado, Antônio Beato [designer e empresário, de 19 anos, com quem a atriz está desde janeiro], que ama correr, eu comecei a desenvolver esse hábito junto com ele. A gente começou a correr todos os dias. Ele é de Belo Horizonte, eu sou aqui do Rio de Janeiro, então quando eu estou lá a gente corre lá, quando eu estou aqui, a gente corre aqui. Estou muito feliz e 100% apaixonada. Eu sou uma pessoa que nasceu para namorar, nasceu para ter alguém. Eu tenho essa necessidade. Porque eu só tinha vivido um relacionamento. E estou muito feliz com o meu namoro, com meu parceiro, meu companheiro, e quero desbravar o mundo com ele.

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. De que forma isso te assusta no dia a dia?
Eu costumo dizer que a transfobia está na porta do meu apartamento esperando eu sair para me pegar. Assim como o racismo, a gordofobia, a LGBTIfobia, e muitas outras fobias. Mas eu não posso deixar que esse medo me pare, também não posso deixar que a transfobia me paralise. O que eu faço é lutar constantemente para ocupar os espaços e mostrar que eu existo. Lutar pelos meus direitos, denunciar os abusos, porque só assim a gente consegue modificar o mundo. Eu não consigo mais ser passiva com essas violências. Então, eu exponho na internet, mas fora dela também, porque acho que é importante a gente lutar contra todo esse mal.

Qual é seu maior sonho pessoal?
Meu maior sonho pessoal é ser mãe. Eu acho que quem me conhece minimamente na internet sabe que o meu maior sonho é se tornar mãe. Eu estou pronta, mas eu quero estar preparada para receber essa criança. Para isso, eu quero me profissionalizar mais, ter uma segurança, porque é isso, quando eu for ter a minha filha ou meu filho, eu quero viver esse momento, eu quero estar com ele 100%. Então, eu quero dar uma pausa no trabalho e tudo mais. Eu pretendo me formar em Psicologia, pretendo firmar cada vez o meu nome na indústria da arte e, quando eu estiver plena, eu trago essa criança aqui.

E qual é seu maior sonho profissional?
Acho que é o protagonismo, sabe? A gente ainda fica muito atrelada a personagens secundários. Eu, enquanto atriz, me sinto muito assim. Eu sempre sou amiga de Beltrano. A amiga de Fulano. Eu nunca sou a protagonista. Então, o que eu quero e o que eu luto muito é para colocar as pessoas trans em protagonismo. Eu quero ser protagonista da novela das 21h sim. Eu tenho poder, eu tenho estudo e capacitação para isso. O que me falta é oportunidade. O tempo está passando e eu tenho essa necessidade muito grande. Acho que é isso. Quem sabe um Oscar também, porque eu sonho alto. Mas para eu ganhar um Oscar é preciso que diretores, escritores escrevam personagens que eu possa viver, e eu posso viver qualquer tipo de personagem porque esse é meu ofício.


Fonte: Revista Quem


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