Gol faz voo com equipe só de mulheres e comissária transgênero




Por Vinícius Casagrande
A Gol fez nesta quinta-feira (8) um voo especial para comemorar o Dia Internacional da Mulher. A bordo do voo 1020, entre os aeroportos de Congonhas (São Paulo) e Santos Dumont (Rio de Janeiro), estava uma tripulação exclusivamente feminina, incluindo uma comissária transgênero –a única da empresa e, segundo a Gol, a primeira do Brasil.

Nicole Cavalcante, 34, entrou na companhia aérea ainda com sua identidade masculina, há oito anos. Quatro anos depois, afastou-se do trabalho por causa de uma depressão.Submetida a tratamento médico, foi diagnosticada com transexualidade.

“A transexualidade a gente sabe desde criança, mas nessa minha depressão fiz tratamento e terapia, e descobri que a depressão vinha disso, de não me assumir. Aí o médico disse: ‘ou você vai ser quem você é ou vai passar a vida toda infeliz e tomando medicação. Hoje, estou supersatisfeita, feliz e realizada”, diz.


Comissária Nicole Cavalcante faz demonstração dos procedimentos de segurança antes do voo (Vinícius Casagrande/UOL)

Nicole ficou afastada para o tratamento por três anos e voltou ao trabalho há cerca de seis meses. “Antes de voltar a voar, trabalhei internamente [na área administrativa] porque estava trocando a minha documentação. A empresa ainda estava meio sem saber como fazer porque era o primeiro caso, mas foi tudo feito da melhor forma”, diz.

Nicole foi a primeira funcionária transexual da Gol. Hoje, já há mais duas funcionárias transexuais trabalhando na companhia aérea. Como comissária, Nicole ainda é a única.

Durante todo o processo e desde que voltou às atividades de comissária de bordo, Nicole afirma que sempre foi bem recebida. “Quem não sabe da minha história nem percebe. Para quem sabe eu sou super bem aceita”, afirma. “Fui contratada de um jeito e hoje estou de outro, mas a empresa me recebeu super bem. Não tenho o que reclamar de preconceito. Isso não aconteceu comigo e tive essa sorte”, diz.


Nicole (esq.) diz que nunca sofreu preconceito no trabalho por ser transexual (Vinícius Casagrande/UOL)

Para ela, fazer parte de um voo especial em comemoração ao Dia Internacional da Mulher foi emocionante. “Me sinto feliz e honrada de poder mostrar o que eu sou e ser reconhecida por isso. Independentemente de ser transexual ou cisgênera, eu sou uma mulher. Essa homenagem caiu super em boa hora. É assim que a gente quer ser reconhecida”, comemora.

Agora, Nicole torce para que outras pessoas transexuais possam ter as mesmas oportunidades que ela. “A gente tem qualificação profissional e capacidade para exercer qualquer profissão. Só que, infelizmente, o preconceito das pessoas acaba deixando a gente de lado”, diz.


Comissárias de bordo do voo especial da Gol (Vinícius Casagrande/UOL)

Voo especial só com mulheres

A bordo do voo 1020 especial desta quinta-feira estavam a comandante Gabriela Duarte, a copiloto Danielle Chiazza e as comissárias Evelyn Takeda, Juliana Thomas, Vanessa Coelho e Nicole Cavalcante. Enquanto aguardava a autorização para decolagem, a comandante Gabriela anunciou que aquele seria um voo especial.

“Hoje, no Dia Internacional da Mulher, parabenizo todos os clientes e colaboradores. Aproveito também para informar que toda a tripulação deste voo é composta apenas por mulheres, que, juntas com todo o time, ajudam a construir a história da companhia. Aqui na Gol, mais do que gênero, somos diversidade de pensamento e capacidade”, afirmou.

Fora de ocasiões especiais, pode ser raro encontrar um voo com a tripulação exclusivamente feminina. Isso ocorre porque ainda há poucas mulheres com licença de piloto de avião. Segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), no Brasil há apenas 41 mulheres com a habilitação de Piloto de Linha Aérea, requisito obrigatório para ser comandante de aviões comerciais.


Comandante Gabriela Duarte (esq.) e Danielle Chiazza (dir.) na cabine do voo 1020 (Vinícius Casagrande/UOL)

Mulheres com licença de piloto

No entanto, esse é um cenário que tende a mudar no futuro. De 2015 a 2017, o número total de mulheres com licença de piloto de avião dobrou.

O avanço maior aconteceu na categoria de piloto privado, o estágio inicial da formação de piloto. O número total de mulheres saltou de 279 parra 740, aumento de 165% nessa categoria.

Entre mulheres que estão iniciando a carreira como pilotos de helicóptero, o aumento foi ainda maior. O número de licenças de piloto privado de helicóptero para mulheres saltou de 47 em 2015 para 167 em 2017, ou crescimento de 255% no período.

No total, o Brasil tem 1.465 mulheres pilotos contra 46.556 profissionais masculinos. As mulheres representam apenas 3% de todas as licenças de pilotos emitidas no país.

‘Basta querer’, diz comandante Gabriela

A comandante Gabriela Duarte afirma que hoje é apenas uma questão de opção para as mulheres se tornarem pilotos de avião. “Acho que hoje não tem mais desafio. Basta você querer, se capacitar e fazer suas horas de voo para conseguir. Tinha muita barreira antigamente, mas hoje as mulheres estão se interessando e estão conseguindo. Por isso, tem esse boom de dobrar o número de licenças de piloto para as mulheres”, diz.

Gabriela afirma que até os anos 1970 as companhias aéreas se recusavam a contratar mulheres para o cargo de pilotos de avião. Desde que essa barreira foi quebrada, no entanto, o avanço ainda é muito lento. “Não sei se é falta de interesse, mas talvez um retardo por todo esse tempo que ficamos barradas”, diz.

Para ela, esse passado pode ter criado o estereótipo de que a profissão de piloto de avião é algo masculino, um pensamento que já está mudando. “Agora, basta a guria querer. Pelo menos foi assim comigo há 16 anos”, diz.

Fonte: UOL

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