Goiás tem pelo menos 4 leis contra pessoas trans

 Há pelo menos 77 leis municipais e estaduais antitrans em vigor em 18 unidades da federação

População LGBTQIA+ continua sofrendo preconceito no Brasil. | Foto: Divulgação


Há 13 anos no topo da lista, o Brasil, país que mais mata pessoas trans no mundo, tem um número crescente de normas que buscam cercear direitos de pessoas trans. Há pelo menos 77 leis municipais e estaduais anti-trans em vigor em 18 unidades da federação. No Estado de Goiás, há pelo menos quatro legislações, sendo a maioria aprovada no ano passado. Os dados foram revelados por levantamento da Folha de São Paulo.

No total, o país teve 293 projetos de lei anti-trans protocolados em 2023. Amanda Souto Baliza, advogada de movimentos sociais disse ao Jornal Opção que vai entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra todas as 77 leis.

“Goiás já teve uma lei de escola sem partido lá em Novo Gama que o STF declarou inconstitucional. Vou começar não por região, mas vou começar por questão temática. O maior volume é de linguagem neutra e o STF já consolidou o entendimento de que são inconstitucionais. Então vou fazer as 30 primeiras da linguagem neutra e aí eu vou passando por tema”, explicou.

Novo Gama, em Goiás, lidera nas violações aos direitos das pessoas trans. A legislação 1.512/2015 determina a distinção entre sexo masculino e sexo feminino para o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados. Além desta, há outra lei (1.516/2015) que proíbe material com informações de “ideologia de gênero” nas escolas municipais de Novo Gama. Procurado, o prefeito Carlos Alves dos Santos (PL) não antendeu às ligações.

Além destas, o prefeito Carlos Alves também sancionou outro texto contra linguagem neutra. A lei (2.071/2023) dispõe sobre a “vedação do uso de novas formas de flexão de gênero e número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade as regras gramaticais consolidadas no país e aprovadas pela comunidade lusófona no município”.

Não cabe aos municípios determinar o que é ensinado

O Supremo Tribunal Federal decidiu que é inconstitucional os estados determinarem se as escolas devem utilizar ou não a linguagem neutra em sala de aula. “Eu entrei com uma ação no STF em dezembro contra a lei que proíbe crianças e adolescentes de participarem da parada lá na Amazonas, a mesma lei lá em Betim, Minas Gerais, e uma lei sobre linguagem neutra no Paraná”, disse Amanda.

Um levantamento da Universidade Federal de São Carlos mostrou que, de janeiro de 2020 a fevereiro de 2022, o Brasil contava com 45 projetos de lei em tramitação ou aprovados que propunham a proibição da linguagem inclusiva nas escolas. Apesar da inconstitucionalidade posta pelo STF em todo o território nacional, as leis não caem em desuso automaticamente.

“O entendimento do STF vale para essas outras leis, mas elas continuam valendo até que a Corte declare que são inconstitucionais em ações próprias ou até que os legislativos locais as revoguem”, afirma Wallace Corbo, doutor em Direito Público e professor de Direito Constitucional na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em Águas Lindas de Goiás, a lei (1.528/2021), sancionada pelo prefeito Lucas Antonietti (Podemos), veda expressamente a utilização da denominada “linguagem neutra”. O entendimento no MEC é de que deve-se respeitar as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ambas não citam diretamente a “linguagem neutra”, mas preveem o estudo “das formas contemporâneas de linguagem”.

“Compete exclusivamente à União editar leis referentes às diretrizes e bases da educação e que, além disso, a Constituição Federal impede atos de censura prévia e que afrontem a liberdade de expressão, de aprendizado e de ensino”, disse o STF.

Bancada conservadora contra LGBTQIA+

Deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) faz discurso transfóbico na Câmara. | Foto: Reprodução


Em 2023, com a ida do bolsonarismo para a oposição no Congresso Nacional, a agenda se consolidou como prioridade desse grupo político no Legislativo. O país ganhou, em média, uma nova lei do tipo a cada duas semanas ao longo do ano passado. Para Amanda Souto, a estratégia desses parlamentares pode ser descrita como uma “Blitzkrieg legislativa”.

Ela explicou que é um ‘ataque-relâmpago’ contra os direitos LGBTQIA+. Começa quando alguma desinformação contra essa parcela da população viraliza, gerando pânico moral. Daí, grupos extremistas criam um modelo de PL e o distribuem em municípios e estados. Alguns desses projetos viram lei. A maior parte dos projetos é apresentada por parlamentares do PL, legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro e de Nikolas Ferreira (PL).

Além disso, há também iniciativas propostas por legisladores de partidos como União Brasil, Republicanos, Democracia Cristã e MDB. A maior parte dos projetos busca proibir a chamada linguagem neutra em escolas e na administração pública. Os legisladores alegam que neologismos como “todes” e os pronomes neutros “elu/delu” ferem a gramática portuguesa e, portanto, devem ser vetados. Adeptos da linguagem neutra acreditam que o seu banimento pode levar à estigmatização de pessoas não binárias.

Outros PLs buscam impedir o acesso de crianças e adolescentes trans a procedimentos médicos como o uso de bloqueadores de puberdade e hormônios. O CFM (Conselho Federal de Medicina), em resolução de 2019, autoriza o bloqueio puberal a partir dos primeiros sinais da puberdade, desde que feito em instituições credenciadas com protocolo de pesquisa. O tratamento é considerado seguro e reversível.

Há também projetos de lei que buscam proibir a chamada ideologia de gênero ou implementar o programa Escola sem Partido em instituições de ensino. Assim, tentam impedir professores de abordar temáticas relacionadas à diversidade de gênero em sala de aula. Existem ainda projetos que buscam proibir a instalação de banheiros unissex em estabelecimentos públicos e privados.

Direito de existir

O estudo LGBTIfobia no Brasil: barreiras para o reconhecimento institucional da criminalização publicado em 2021, pesquisa organizada pela All Out e coordenada pelo Instituto Matizes, aponta que, passados dois anos da decisão do STF, a criminalização da LGBTIfobia ainda não é uma realidade no país.

“As dificuldades de efetivar as denúncias se somam à resistência das forças de segurança pública e do sistema judicial em reconhecer e aplicar a decisão”.

O levantamento aponta 34 barreiras para o reconhecimento da criminalização contra essa população. A  ausência de padronização dos sistemas estaduais de registro das ocorrências e o não reconhecimento do nome social de travestis e pessoas trans nos procedimentos de denúncia estão entre as barreiras sobre procedimentos institucionais apontadas pelo estudo. 

A inexistência dos campos de orientação sexual e identidade de gênero nos sistemas de preenchimento de boletins de ocorrência (BO) é apontada como uma das barreiras sobre falta de transparência e opacidade do Estado.

Outros obstáculos são o baixo índice de preenchimento dos campos de orientação sexual e identidade de gênero, quando existem, e o preenchimento inexpressivo dos campos de motivação de crimes LGBTIfóbicos nos BOs.

Fonte: Jornal Opção

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