Um bê-á-bá necessário: Fórum Black Trans Brazil - Fonatrans lança o projeto Saúde e Cidadania Travesti e Transexual

Card de divulgação da Live



Por Ícaro Kropidloski


No dia 11 de janeiro, Jovanna Baby recebeu a responsável pela Coordenação de Doenças Transmissíveis da Secretaria de Saúde do Piauí, a enfermeira Karina Amorim, na primeira live do projeto Saúde e Cidadania Travesti e Transexual, uma parceria do Fórum Black Trans Brazil - Fonatrans com o Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, com recursos do projeto BRA 15/004 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O objetivo é, de acordo com Jovanna, “rememorar o bê-á-bá” de assuntos como HIV e Aids, sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis; hepatites, tuberculose, PEP e PrEP e  demais temas que afligem especialmente a população trans e negra brasileira. O cerne do projeto é, portanto, levar informação para quem mais precisa, visto que às vezes o que parece óbvio ainda não é para determinados públicos. Neste primeiro bate papo Karina buscou, a partir da sua experiência e de dados oficiais do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, traçar uma análise situacional da questão do HIV e da Aids no Brasil. Destacou-se também a importância do acesso à informação, ferramenta fundamental para enfrentar o preconceito.


Ao trazer dados oficiais levantados nas últimas quatro décadas pelo governo brasileiro, Karina enfatizou a falta de acesso a diagnóstico de acordo com recortes de raça, gênero e classe. Neste sentido, a questão do HIV e da Aids instaura-se enquanto epidemia social, uma vez que o estigma, a burocracia e a desinformação afastam quem mais precisa das unidades de saúde. No entanto, do ponto de vista científico, a enfermeira trouxe que “temos todas as condições em mãos de controlar e eliminar esse vírus do nosso meio”, frisando que apesar de algumas problemáticas, o programa de combate ao HIV e Aids do SUS é referência para o mundo. “O insumo está aqui e os serviços têm insumos, mas eles precisam chegar na população...” refletiu Karina. 




      Há pouca circulação de informações qualificadas entre a juventude e grupos socialmente marginalizados. A PEP e PrEP, por exemplo, ainda podem parecer distantes para muitas pessoas. PEP é a profilaxia pós-exposição, ou seja,  um tratamento médico preventivo que deve ser iniciado até 72 horas após uma relação sexual desprotegida. Já a PrEP consiste na tomada de  comprimidos antes da relação sexual, medicamentos que permitem ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV. Além destas opções, Karina ressaltou durante a live que a camisinha e o gel lubrificante seguem sendo os carros chefes da prevenção, pois previnem também outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Mas destacou que a prevenção combinada, uma estratégia que faz uso simultâneo de diferentes abordagens de prevenção de acordo com a realidade social e cultural de cada indivíduo, deve ser melhor trabalhada e vista como uma opção. Logo, é dever do Estado prover diagnóstico, tratamento e informação. E é também, em um sistema de corresponsabilidade, dever de cada cidadão cuidar de si e do próximo. 


Mandala da Prevenção Combinada. Reprodução: Ministério da Saúde



Karina enfatizou os quatro eixos do programa de combate ao HIV e Aids: 1) prevenção, 2) diagnóstico, 3) tratamento e 4) vigilância. Ou seja: entender o melhor método de prevenção, que faça sentido dentro da sua realidade; ter acesso a testagem regular e diagnóstico precoce; em caso de infecção realizar tratamento contínuo, gratuito e de qualidade e não evadir.  A Coordenadora faz uma analogia, entendendo tudo isso como “uma engrenagem onde tudo precisa funcionar”. 


Quem acessa os serviços?


Entre 1980 e junho de 2023 foram notificados 1.124.33 casos de Aids no Brasil,  32% eram pessoas brancas e 33% eram pessoas negras (pretos e pardos). Karina destacou que “os dados mostram a dificuldade da população negra em ter acesso a diagnóstico e tratamento” e salientou que os números podem ser ainda maiores, levando em consideração os casos não notificados pelo Estado. Já nas últimas décadas, mais especificamente entre 2011 e 2021, foi registrada uma queda de 5,3% na taxa de detecção do HIV, ou seja: saímos de 22 casos por 100.000 habitantes para 16 casos por 100.000 habitantes. Mas um olhar atento evidencia algumas desigualdades, Karina pontuou que a redução na taxa de detecção, por exemplo, não ocorreu em todos os estados do país. Não houve queda expressiva no Norte e Nordeste, diferente das regiões Sul e Sudeste. Até 2023, 46% dos autotestes distribuídos no Brasil foram para homens gays e para HSH, sigla para Homens que Fazem Sexo com Homens. Apenas 2,9% foram distribuídos para mulheres trans e 51% do público geral que acessou os autotestes era formado por pessoas brancas. Atualmente, 896 unidades de saúde disponibilizam PEP e PrEP no território nacional e nota-se um crescimento no acesso a estes serviços. Em 2023, 82% destes tratamentos antirretrovirais foram disponibilizados para homens gays e HSHs. Apenas 3% dos pacientes eram mulheres trans ou travestis. Ou seja: as políticas públicas existem e o acesso está aumentando, mas quem está de fato usufruindo? Quais grupos seguem sem informações, diagnóstico e tratamento? Ao falarmos de HIV e Aids ainda nos deparamos, assim como há quarenta anos, com encruzilhadas sociais complexas. Sejamos referência para todos, todas e todes. “O que temos hoje foi resultado da luta de muita gente e precisamos continuar na luta para manter e conquistar mais” finalizou Karina. 


Não fique na dúvida, dicas práticas sobre HIV e Aids:


  • Pesquise onde há oferta de PEP e PrEp no seu município, acesse www.gov.br/aids/pt-br  

  • O tratamento bloqueia a cadeia de transmissão. Indetectável = intransmissível. 

  • Aposte no preservativo e no gel e procure saber sobre prevenção combinada.

  • Faça teste rápido regularmente, é gratuito e disponível nas unidades de saúde. 



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