Pastor é condenado em R$ 40 mil por dizer que ‘militantes LGBT serão esmagados’

 Para juiz, embora haja liberdade religiosa no país, não há legitimação para que se faça discurso de ódio ou de incitação à violência



O juiz Jose Luis Pereira Andrade, da 3ª Vara Cumulativa do Foro de Lençóis Paulista, condenou o pastor Ricardo dos Santos a pagar R$ 40 mil de indenização por danos morais coletivos por falas que incitavam discurso de ódio e violência à comunidade LGBT.

A ação foi movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) que, conforme relatou nos autos, tomou conhecimento de que durante algumas de suas ministrações, o pastor discursava contra a população LGBT, promovia passeatas, eventos e, ainda, usava o palanque da igreja para encobrir seu discurso de ódio e também incitava outras pessoas a agirem da mesma forma.

Em um dos vídeos, Santos afirmou que os militantes LGBT seriam esmagados ”na ira do Senhor”, que seriam ”artimanhas do satanás”, ”falsos”, ”diabólicos”, ”entregues na mão de satanás”, ”trevas” e que ”Deus fez o menino, menino, e a menina, menina”. Segundo o Ministério Público, as mensagens proferidas por ele são intolerantes e capazes de causar sentimento de raiva e rejeição contra pessoas socialmente vulneráveis.

O MP também sustenta que uma das passeatas foi idealizada ”contra a ideologia de gênero e contra a comunidade LGBT”, com a finalidade de extinguir e acabar com ”esse estrato da população desta cidade”.

O pastor, por outro lado, argumentou que os trechos dos discursos apresentados pelo MP teriam sido retirados de contexto, de forma que inexiste qualquer ódio em suas falas, pois não houve qualquer menção contra a população LGBT, mas sim contra membros de sua própria igreja que ”endossam a ideologia de gênero”. Alegou, ainda, que apenas reproduziu passagens da Bíblia, tendo o caso se tratado de uma profissão de fé, sendo que a expressão ”ira do Senhor” apenas representaria a desaprovação divina, sem conotação raivosa ou de perseguição.

Para o juiz Jose Luis Pereira Andrade, o vídeo da pregação de Santos na igreja não foi retirado de contexto ou tido a sua transcrição apresentada com trechos “pinçados”, como ele alegou. Ele entendeu que as falas proferidas pelo pastor contra a comunidade LGBT se deram de forma gratuita, sem qualquer referência a um texto bíblico certo e específico a justificar o uso de suas palavras, em nome da liberdade religiosa.

”Isto é, houve um ataque eivado de ódio contra uma população já vulnerabilizada no país”, afirmou Andrade. Ao julgar o caso, ele observou que houve exteriorização de ódio, com claro incitamento à discriminação e à hostilidade por parte do religioso aos fiéis em sua igreja, ainda que não tenha ocorrido de maneira explícita a ordem para se valer de violência física contra a comunidade LGBT.

”Não se pode deixar de colocar, aqui, que o pastor é pessoa de proeminente liderança na sociedade lençoense, contando com apreço do prefeito municipal e de vários concidadãos, de modo que é formador de opinião, a influenciar de forma incisiva os fiéis da igreja da qual é membro”, analisou o juiz.

Andrade analisou que a expressão ”na ira do senhor”, proferida por Santos, não foi retirada de contexto, pois não foi utilizada por ele de forma metafórica, a partir do momento em que o homem determinou que os fiéis de sua igreja se mobilizassem contra a ”militância LGBT” e a denominada ”ideologia de gênero”. ”Logo, a atitude do pastor é passível de censura, causando danos a uma coletividade, não se tratando de meros direitos individuais homogêneos, mas de verdadeiros direitos difusos”, afirmou.

“Embora haja ampla liberdade religiosa no país, aliada à ampla liberdade de expressão no regime democrático, não há legitimação para se faça discurso de ódio ou de incitação à violência, não sendo lícito esconder-se atrás da liberdade religiosa ou de expressão para tal fim”, escreveu o juiz.

‘Os danos morais coletivos, afirma o magistrado, são evidentes, porque a conduta do pastor sobreleva ainda mais a vulnerabilidade da comunidade LGBT, de forma acintosa e dolosa, causando ainda mais estigma, tal como exaustivamente consignado linhas acima”.

Responsável pela defesa do pastor no caso, o advogado Ézeo Fusco Júnior afirmou ao JOTA que irá recorrer da decisão.

O processo tramita com o número 1004111-57.2022.8.26.0319.

Fonte: Portal JOTA

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