Relembre a história de Gisberta e conheça o movimento “Se A Rua Fosse Minha"

 

Em 2006, a brasileira Gisberta Salce Junior, mulher trans, foi encontrada morta na cidade do Porto, em Portugal, após ser agredida e violada por um grupo de 14 adolescentes, entre 12 e 16 anos. Desde então, ela é, para a Marcha do Orgulho do Porto, símbolo de resistência





Aqui no Brasil, o Mês do Orgulho LGBTQIA+ é comemorado do início ao fim de junho, mas falar e dar mais visibilidade ao assunto é sempre de grande importância. A paulista Gisberta foi encontrada morta em 2006, em um crime de transfobia que chocou a cidade portuguesa. Sua história é longa: Gisberta saiu do Brasil aos 18 anos para fugir de uma “onda” de homicídios contra transexuais em São Paulo. Após passar dois anos na França, ela se mudou para Portugal assim que completou 20.

Gisberta fazia trabalho sexual desde que chegou em Portugal e vivia com HIV, chegando ao final da sua vida já muito debilitada. O enfermeiro Nuno Câmara Lima, em entrevista à imprensa, chegou a falar sobre o seu estado de saúde. "Passou de uma mulher muito bonita, glamorosa e a viver bem, para uma mulher que acabou já com roupas rasgadas, sem maquiagem, já nem usava tacões”, disse ele.

Em 2006, o nome de Gisberta estamparia os noticiários por um motivo chocante e triste. A brasileira foi encontrada morta em um poço no Porto, após ser agredida e violada por um grupo de 14 adolescente, entre os 12 e 16 anos. A autópsia confirmou lesões na cabeça, pescoço, membros inferiores e superiores, laringe e traqueia, abdómen, intestinos e rins; múltiplas equimoses, infiltrações hemorrágicas, escoriações e infiltrações sanguíneas. Esse se tornaria então o crime de transfobia mais bárbaro da história do Porto.

Poucos meses depois, surgiu a Marcha do Orgulho do Porto, equivalente à Parada LGBTQIA+ que conhecemos no Brasil e que acontece todos os anos. Em julho daquele ano, no contexto da morte de Gisberta, se realizou a primeira Marcha em um local próximo de onde ela foi encontrada sem vida. “O assassinato de Gisberta foi um crime bárbaro, que chocou a sociedade na época. Houve muita discussão em torno dessa questão e muito ativistas da causa se articularam em Portugal. A ideia era trazer visibilidade e até mesmo para outras questões públicas que envolvem os direitos das pessoas trans e questões relacionada à vida da Gisberta”, conta Allan, um dos membros da organização da Marcha, à Marie Claire.



“Até hoje, as questões da violência, não só em Portugal, são problemáticas e existe muita falta de informação. Nós nos deparamos também com uma grande subnotificação dessas ocorrências e, de uma maneira geral, o quadro que a gente enfrenta é de muito pouco conhecimento e dados empíricos em relação a determinadas realidades, em especial das pessoas trans (...). Aqui existe uma falta de clareza em torno de questões sobre violência. Nos últimos anos, Portugal avançou bastante: tivemos uma lei aprovada em 2018, que é a lei de identidade de gênero, que traz uma série de medidas e proteção para a comunidade LGBT, mas ainda falta muito para avançar”, continua ele.

Recentemente, surgiu o movimento “Se A Rua Fosse Minha”, criado pela Marcha do Porto, em parceria com a atriz e ativista portuguesa Sara Barros Leitão. O projeto tenta que a CMPorto atribua o nome de Gisberta a uma rua da cidade, uma maneira de homenageá-la. “A memória da Gisberta, desde 2006, tem sido uma grande bandeira de luta. Essa luta é para que o crime não caia no esquecimento, para que uma situação como essa jamais volte a ocorrer. Mesmo 15 anos depois, marchamos todos os anos com essa lembrança em mente, pedindo por direitos e justiça”, comenta Allan.

Para os membros da Marcha, “a Gisberta representa uma encarnação da exclusão social. Ela torna-se um símbolo da nossa luta por causa do seu fim trágico. Ela faz-nos relembrar um lugar na história para onde nunca mais queremos voltar. Foi, e ainda é, a memória de Gisberta que faz com que dezenas de ativistas unam-se e trabalhem em prol de uma cidade mais igualitária e segura para as pessoas LGBTI+, assim como faz com que milhares de pessoas saiam à rua, com orgulho, para marchar em apoio à luta por direitos humanos, pela dignidade e autodeterminação, que ainda se encontra muito longe de ser conquistada. Enquanto persistir a opressão, a discriminação e a violência, o Porto não irá se render”, disseram.

Essa, no entanto, é a terceira tentativa de fazer com que esse projeto saia do papel e de fato aconteça. Segundo Allan, o documento já possui cerca de seis mil assinaturas, e outras que eles recolherão até domingo (4), um dia após a 16ª Marcha do Orgulho do Porto. Na próxima semana, uma reunião será marcada Comissão Municipal de Toponímia para que o abaixo-assinado seja entregue. Dessa vez, Allan revelou que os ativistas estão mais confiantes. “Em paralelo a isso, recentemente, a Assembleia Municipal do Porto aprovou a sugestão, pedindo que a Comissão acolha essa solicitação da Marcha. Essa decisão ainda não é vinculativa, ou seja, não obriga que eles acolham essa iniciativa de fato, mas dá mais força”, explica.

Por algum motivo, aqui no Brasil a história de Gisberta não é tão conhecida - ou caiu no esquecimento. O movimento não conta com apoio de personalidades brasileiras, mas talvez esse nome não seja desconhecido para você. Maria Bethânia regravou a música Balada de Gisberta, originalmente feita por Pedro Abrunhosa em homenagem não só à Gisberta, mas à toda comunidade trans, e a música se tornou um grande sucesso.

Para saber mais sobre o projeto e a aprovação do documento que dará o nome de Gisberta a uma rua, acompanhe a Marcha do Orgulho do Porto no Instagram.

Fonte: Marie Claire

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