Em decisão inédita, STJ valida aplicação da Lei Maria da Penha para mulheres trans

É o primeiro precedente formado em tribunais superiores sobre o tema. Decisão pode orientar análises de outros casos semelhantes em instâncias inferiores.


A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta terça-feira (5) que a Lei Maria da Penha — que protege as vítimas de violência doméstica — pode ser aplicada para mulheres transexuais.

Essa foi a primeira vez que a questão foi julgada pelo tribunal e serve de precedente para que outras instâncias da Justiça sigam esse entendimento.

Os ministros analisaram um recurso do Ministério Público contra decisão da Justiça de São Paulo, que negou medidas protetivas previstas na lei para uma mulher transgênero.

Os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo entenderam que a norma pode ser aplicada em casos de violência doméstica ou familiar contra pessoas do sexo feminino.

No caso analisado pelo STJ, uma mulher trans agredida pelo pai — que não aceitaria o fato de ela se identificar com outro gênero — pediu a aplicação de medidas protetivas.

Por unanimidade, os ministros da Sexta Turma entenderam que o artigo 5º da Lei Maria da Penha caracteriza a violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero, mas que isso não envolve aspectos biológicos.

Relator do caso, o ministro Rogério Schietti ressaltou que a causa transcende os interesses individuais e que há 13 anos o Brasil aparece como o país com maior número de assassinatos de pessoas trans. Para o ministro, isso é reflexo de uma cultura patriarcal e misógina.

“Registro que no ano passado foram 140 assassinatos. O dado é preocupante porque reflete comportamento predominante que não aceita identidades outras que aquelas que a nossa cultura e formação nos levou a definir, até por questões religiosas, como identidades relacionadas tão somente ao sexo, característica biológica. O que se discute é que a possibilidade de uma lei que veio para proteger a mulher possa também abrigar assim quem se define, se identifica”, afirmou.

No julgamento, a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge afirmou que a lei é um socorro a pessoas agredidas em razão do gênero, historicamente alvo de tratamento violento.

"Não há razão nenhuma para excluir do acesso à Justiça, à proteção das medidas garantidas da Maria da Penha, as transexuais femininas. A mulher trans, independentemente de ter passado pela cirurgia, deve estar protegida pela Maria da Penha se a ação [do agressor] decorre da sua condição social”, disse.

A ministra Laurita Vaz afirmou que o tema divide os tribunais, e o conceito de gênero não se confunde com o conceito do sexo biológico.

“A própria realidade brutal vivenciada pelas mulheres trans nos permite identificar traços comuns com a violência praticada contra as mulheres sui generis. Os atos possuem a mesma origem : discriminação de gêneros”, afirmou.

Segundo Laurita Vaz, em regra, a mulher trans é agredida exatamente pela condição de mulher — os dados, afirmou a ministra, revelam que a maioria é vítima no lar de pessoas conhecidas.

Ela argumentou que a violência contra mulher transexual é um crime praticado no mesmo contexto cultural que conduziu o legislador a editar a Lei Maria da Penha, que combate a violência familiar de gênero.

Fonte: G1

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