‘Esse sonho que a gente sonhou lá atrás, a gente vê hoje’: personalidades trans comentam Dia da Visibilidade

 

Jovanna Baby, Bruna Benevides e Daniel Veigas se juntaram a Caê Vasconcelos em episódio especial do Pluralidades, série de lives da Ponte sobre gênero





29 de janeiro é o “Dia da Visibilidade Trans”, data criada para jogar holofotes sobre a existência e resistência dessa população. A Ponte marcou o dia com um episódio especial de Pluralidades, série de lives sobre gênero e sexualidade. Conduzido por Caê Vasconcelos, repórter da Ponte e homem trans, o debate online aconteceu na quarta-feira (27/01) e reuniu Jovanna Cardoso (Jovanna Baby), uma das fundadoras do movimento trans no Brasil e presidente do Fonatrans (Fórum Nacional de Travestis e Transsexuais Negras e Negros), Bruna Benevides, educadora social e autora da pesquisa anual sobre a violência contra pessoas trans brasileiras pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e Daniel Veiga, dramaturgo e cofundador do CATS (Coletivo de Artistas Transmasculines).

Logo de partida, Jovanna relembrou que a discussão política sobre transgeneridade começa em Vitória nos anos 70. “Esse sonho que a gente sonhou lá atrás, a gente vê hoje”, pontua citando diversas personalidades do meio. Para ela, o dia 29 “é uma data nossa e nós travestis, transexuais e homens trans é que temos que protagonizar”.

Refletindo também sobre o dia, Bruna apontou que o momento serve para “gente visibilizar as questões que envolvem os direitos das pessoas trans, as dificuldades de viver em uma sociedade ciscentrada”. Como representante da Antra, ela aponta o desafio de enfrentar processos inferiorizantes mantendo sempre um olhar que abranja classe, raça, gênero, região e outras perspectivas. “Temos que entender que não podemos ter uma história única. Somos pessoas diversas dentro de um grupo diverso, somos um movimento dissidente dentro de um movimento dissidente”.

Resistência e levante é como Daniel define o movimento trans. “É um grupo de resistência, é um grupo de levante, é um grupo que cada vez menos espera que haja algum tipo de abertura de espaço e cada vez mais tá colocando os dois pés na porta com força para invadir esses espaços”. Ele ainda lembrou de nomes como Jorge Claudecir e João Nery como figuras transmasculinas na vanguarda do movimento.

Invisíveis

Uma percepção coletiva dos convidados é a do aumento da demanda por suas falas apenas em ocasiões especificas. “Nunca é sobre quais ações a Antra está fazendo. É sempre, aconteceu uma polêmica, qual é a posição da Antra”, afirma Bruna Benevides. “Quase nunca somos nós pautando, somos quase sempre pautados”

Daniel Veiga chamou a atenção para invisibilidade de homens trans. “A cisgeneridade são sabe o que é um homem trans, que dirá transmasculino”. Para ele, não há reconhecimento da existência dessas pessoas. “O que existe, para essa cisgeneridade, é um grupo de sapatão, um grupo de mulheres vestidas de homem”, ele denuncia.

O dramaturgo enxerga na arte um caminho para colocar pessoas cis em contato com vivências trans. Citando um dado do documentário estadunidense “Revelação”, ele indica que a maioria das pessoas cis veem uma pessoa trans pela primeira vez através de alguma mídia de massa como televisão e streaming. A realidade estadunidense, trazida no longa, aponta que, por lá, isso acontece em 80% dos casos.  

Luta intersecional

O dado é alarmante: 70% casos de transfobia no Brasil são contra pessoas negras. Ele foi trazido por Jovanna, que preside uma das maiores instituições de pessoas trans negras no país. “O Fonatrans nasce da necessidade de ter uma discussão específica sobre negritude e transexualidade”.

“Nós, travestis dos anos 90, e ainda hoje, sofremos muito mais por ser travesti e preta do que qualquer outra coisa”. Ela aponta que, apesar de corpos trans negros serem os mais violentados e assassinados, são esses corpos que ajudaram a fundar o movimento trans e que compõem suas fileiras institucionais e políticas, visto o número de parlamentares trans negras eleitas para as câmaras municipais do Brasil.

“Não temos mais como desassociar”, defende Jovanna, que destacou a luta para tornar a negritude uma pauta institucional dentro do movimento trans. Somado a isso, a ativista ainda pontuou a importância do apoio do MNU (Movimento Negro Unificado) e do movimento anarcopunk, que acompanhou a primeira caminhada do grupo trans no Rio de Janeiro nos anos 90. “A maioria eram homens e mulheres pretas, isso [aconteceu] muito antes de existirem paradas LGBT Brasil afora”.

Recados para cisgeneridade

Bruna Benevides: “A cisgeneridade tem muita dificuldade de reconhecer seus privilégios. Enquanto a cisgeneridade se colocar nesse lugar de superioridade para a manutenção do cisexismo, as pessoas trans vão continuar nesse processo extremamente violento no qual nos encontramos. O que precisa ser feito? Antes, e acima de tudo, é a cisgeneridade parar, interromper todas as práticas violência ou que tutelam nossa voz e nossa potência. Interromper todo esse fluxo que acredita na síndrome do salvador”.

Jovanna Cardoso: “Leia as travestis e os homens trans. Assista episódios artísticos de mulheres e homens trans. Tem um vizinho trans? Conheça essas pessoas, conversa, dê bom dia, boa tarde. Passe a entender o cotidiano daquela pessoa por aí, vocês vão passar a respeitar essas pessoas”.

Daniel Veiga: “Pessoas que são cis e companheiras são aquelas pessoas que sabem, não que reconhecem, mas sabem que somos iguais, que não somos nem melhores nem piores. Essas pessoas cis são as pessoas que me interessam para trabalhar, as pessoas que me veem como igual no sentido de que a gente pode trocar com equidade”.

Fonte: Ponte

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