Em reunião da Comissão Permanente LGBT+, ministério de Damares Alves contraria Argentina, Uruguai e Paraguai; ativistas repudiam decisão
Governo brasileiro se recusa a assinar documentos reconhecendo termos como “identidade de gênero”, “expressão de gênero” e “crimes de ódio” na 35ª Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos, da Comissão Permanente LGBT+, do Mercosul. Com isso, o Brasil se opôs à Argentina, Uruguai e Paraguai nessa questão e, por não concordar, dificulta a aprovação do plano de trabalho.
A reunião aconteceu nesta quinta-feira (22/10) e o país foi representado por Marina Reidel, diretora de Promoção de Direitos LGBT+, Vitor Marcelo Almeida, Assessor Especial de Assuntos Internacionais, Douglas Rodrigues, coordenador de Assuntos Internacionais, todos do MMFDH (Ministério da Mulher, Família e Dois Direitos Humanos), de Damares Alves, e Daniel Leão, da Divisão de Diretoria Humana, do Ministério das Relações Exteriores.
Em protesto à negativa do Estado brasileiro, entidades LGBTs assinaram uma nota pública de denúncia e repúdio. Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), ABGLT (Associação Brasileira LGBTI), Fonatrans (Fórum Brasileiro de Travestis e Transexuais Negras e Negros), RENOSP-LGBTI (Rede Nacional de Operadores de Segurança LGBTI+), IBRAT (Instituto Brasileiro de TransMasculinidades) são algumas das instituições que assinam a nota.
Em nota, as organizações apontam que é “estarrecedor” que o Brasil tome essa decisão no mesmo ano em que os casos de assassinatos, de janeiro a agosto de 2020, superaram todos os casos de 2019, “ignorando que o transfeminicídio é o assassinato sistemático da população trans motivado pelo ódio e repulsa à identidade e expressão de gênero”.
A nota também cita a ausência de dados de LGBTfobia no Anuário de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro da Segurança Publica, por falta de envio das Secretarias de Segurança. “Fica nítido o descaso dos estados brasileiros com relação a vida das pessoas trans, quando percebe-se que 15 deles não fazem sequer levantamento de dados sobre violência LGBTfóbica e nenhum dos 26 estados mais o Distrito Federal trouxeram dados sobre assassinato das pessoas LGBTI+”.
À Ponte, Jovanna Baby, presidenta do Fonotrans, afirma que o MMFDH está cumprindo as promessas de campanha de Jair Bolsonaro (sem partido). “Ele se elegeu com essas propostas: destruir todas as garantias já conquistadas, acabar com os marcos legais, que promovem a cidadania e os direitos de LGBTs”, aponta.
“Essa é a proposta do governo, inclusive mantendo no Ministério da Mulher uma diretoria LGBT+ não para poder gerenciar programas desenvolvidos para nossa população, mas sim para referendar o desmonte das políticas públicas, das poucas, que conquistamos”.
Para Jovanna, a ministra Damares é “a pior pessoa para a população LGBT+ no Brasil”. “Ela fala que ama os LGBTs e com isso pega algumas lideranças que bajulam quem está no poder para garantir recursos. A Damares é a principal articuladora para a destruição de tudo o que conquistamos. Ela é a cabeça pensante desse governo para destruir tudo o que a bancada evangélica abomina”.
“Damares é preparada, inteligente e perigosa. Ela faz tudo o que faz falando que nos ama. Essa decisão vai inflamar a violência e teremos mais sangues derramadas. Não existe direitos humanos sem que todas as pessoas estejam inseridas nele. Temos que colocar na conta desses LGBTs que apoiam e estão no governo que eles também são responsáveis pelos assassinatos que acontecem no país”, completa.
Mas, a pior parte, pontua Jovanna, é que as decisões de Damares têm respaldo de pessoas LGBTs, integrantes da diretoria LGBT+ que integram o governo. “Com isso eles referendam o que o governo deseja, que é a segregação, o isolamento e o engessamento de todas as pessoas LGBTs, para que tenhamos um país em que a população LGBT voltem para a vala da perseguição, do assassinato. Dessa forma o governo trabalha para que sejamos executados”.
Keila Simpson, presidenta da Antra, afirma que a recusa não a surpreende. “Esse governo tem uma disposição de atacar pautas de vanguarda, principalmente que tem a ver com direitos LGBTs. Essa reunião é só mais um dos processos que são feitos para que essa situação chegue nesse ponto”.
Não ter como monitorar um marcador da violência, como o crime de ódio, analisa Keila, é importante para o governo. “Se tivéssemos números oficiais poderiam contabilizar a inércia desse governo. O primeiro ataque é não gerar dados, que significa que não tem como comparar. Quando tem um dado, o governo tenta desqualificar de todas as formas. Essa agenda conservadora, encabeçada por Damares, se tornou constante. Ela está buscando o seu lugar ao sol, é só olhar quem era a Damares antes do Bolsonaro e quem é a Damares agora”.
Keila avalia que é “trágico” ver a agenda de direitos LGBTs sendo destruída, mas avisa: “Não vamos deixar isso nos afetar. Uma coisa temos certeza: o governo Bolsonaro não é para sempre. Quando ele sair vamos ter saúde e segurança para reconstruir tudo como imaginamos. Levamos um tempo grande para chegar até aqui e não vamos desistir de reconstruir o que estamos perdendo agora para os que veem depois de nós encontrar um país melhor. É essa esperança que mantém a gente ativa na luta”.
Outro lado
A reportagem procurou a Comissão LGBT do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que respondeu por meio de nota que: “no tocante ao termo ‘crime de ódio’, o MMFDH parte do entendimento que não há tipificação referente a tal modalidade no direito brasileiro, o que pode causar impedimentos legais de aprovação de diretrizes internacionais para registro de crimes que não são reconhecidos pelo ordenamento jurídico pátrio. Tendo em vista que a RAADH constitui um fórum de consenso entre as partes, a saber, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, nenhuma medida pode ser aprovada sem o expresso aval da integralidade dos Estados membros. As divergências de entendimento foram registradas em ata na reunião, e retornarão às discussões da próxima reunião da Comissão Permanente LGBTI, que irá ocorrer no âmbito da próxima Presidência Pro Tempore do Mercosul, no primeiro semestre de 2021”.
ATUALIZAÇÃO: Reportagem modificada às 19h do dia 23/10/2020 para incluiro o posicionamento do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
Fonte: Ponte.org
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