Trans retratada por Drauzio no Fantástico vive em abrigo e quer abrir salão

Lolla aguarda fim da quarentena e dinheiro de vaquinha para fazer cursos e começar a trabalhar - Reprodução/Instagram

Em março, a história de Lolla Francis, 35, foi contada pelo médico Drauzio Varella em uma reportagem do "Fantástico" que entrevistou transexuais cumprindo pena em presídios. E viralizou por causa de uma campanha nas redes sociais para encontrá-la e ajudá-la financeiramente.

Na TV, ela disse, já quando vivia em regime aberto, que se sentia mais livre na prisão para expressar sua identidade de gênero do que fora. Até integrar a ala das trans no presídio, diz que teve que "ocultar essa página da sua vida". "Eu mesma sempre me aceitei do jeito que sou, mas venho de uma família com oito irmãos, achava que ia influenciar eles para o mau caminho", afirma. "E se chegasse pro meu pai dizendo 'sou bicha', ele me mataria. Fui sofrendo calada e sozinha."

Tantos anos se forçando a "agir como homem" deixaram marcas que saltam em suas falas ao longo da conversa com Universa. Lolla reitera sua identidade de gênero e afirma se reconhecer como mulher desde sempre, mas intercala as flexões dos adjetivos: ora usa "a" no final, no feminino, ora "o", no masculino. Como quando afirma ser "novo para essas coisas", sobre a dificuldade em usar sua conta no Instagram, onde tem quase 20 mil seguidores.

Vivendo em um abrigo para mulheres trans em São Paulo, ela aguarda o dinheiro da vaquinha online que foi criada para ajudá-la e espera pelo fim da quarentena imposta pela pandemia de Covid-19 para fazer cursos de maquiagem que recebeu como doação de seguidores. Seu sonho é abrir um salão e beleza.

Também fala do crime que a fez ser presa e comenta a história de Suzi, outra detenta que apareceu na reportagem, presa por estupro de vulnerável e que, na televisão, ganhou um abraço de Drauzio por se sentir sozinha. "Muita gente achou que era eu. Mas não tenho nada a ver com esse B.O.", diz.

Mudança para ala das trans e namorado na prisão

Quando foi presa, há dois anos e oito meses, Lolla notou que havia quatro celas ocupadas por mulheres trans. "Moravam lá elas, os maridos e os envolvidos", referindo-se a qualquer um que tivesse envolvimento com elas, como namorados.

"Quando eu estava lá dentro, conheci um rapazinho de 19 anos. Uma pessoa muito carinhosa, mas não tinha visita, não tinha ninguém. Começamos a namorar e me jogaram numa cela das trans. Ainda agia como homem. Pensei: 'Quer saber, vou ter mais paz'", relembra.

"Aí fui, me mudei, levei uns dias ainda para poder ser como queria", conta. O namoro durou alguns meses. Depois de uma transferência do namorado, os dois nunca mais se falaram.

Na cadeia, lápis de cor virava maquiagem

Com o tempo, Lolla passou a se maquiar. Na prisão, ela e as colegas transformavam lápis de cor em batom, blush e sombra. "O lápis a gente pegava das aulas, pedíamos para a professora e ela deixava a gente levar. Aí a gente misturava com creme de pele."

Depois de fazer um curso lá mesmo, decidiu seguir a profissão de maquiadora. Já fora do regime fechado, ganhou cursos de instituições e de seguidores. Só não conseguiu fazer nenhum ainda por causa da quarentena, que fez seus projetos pausarem. "Quero fazer cursos de cabeleireiro também e, depois, abrir um salão para mim", diz.

"Estou contando com o dinheiro da vaquinha para comprar aparelho e já tem gente me doando maquiagem", fala, referindo-se à vaquinha online criada para arrecadar dinheiro e ajudá-la. Na época da criação da vaquinha, Lolla se pintava de palhaço e vendia água no farol.

Fotos e lives com as companheiras de abrigo

Atualmente, Lolla vive em um albergue para trans na capital paulista ao lado de outras 30 mulheres, que têm entre 18 e 30 anos. Recebe café da manhã, almoço e jantar. Passa os dias maquiando as amigas do abrigo, fotografando-as e fazendo lives com elas.

Para outros gastos, conta com ajuda de familiares, enquanto a "vida não engrena".

Caso Suzi: "Nada a ver com esse B.O."

Após a repercussão da história do crime cometido pela detenta Suzi, ela diz ter sido confundida com ela. "Fiz até uma live explicando que não tinha nada a ver com esse B.O.", diz. "Mas o crime que ela cometeu nunca deveria ter vazado, é segredo de Justiça."

Lolla está há quatro meses de encerrar o cumprimento da pena de três anos. Segundo a reportagem do "Fantástico", ela foi condenada por roubo. Para Universa, ela afirma que sua sentença foi por uma acusação de estupro, da qual diz ser inocente. "Armaram para mim", afirma, sobre uma situação que envolveria uma briga agressiva com uma pessoa aleatória em uma praia do litoral paulista.

Vítima de estupro quando criança

A violência, conta Lolla, é algo que sempre foi presente em sua vida. Pelo seu jeito, por ser trans, pela maneira de se comportar. Uma das primeiras foi aos 10 anos, quando foi estuprada por um amigo da família. A mais traumática.

"Sofri violência sexual de um amigo do meu avô, com quem eu morava. Ele me convidou para ir pescar. E aí fomos para uma casa. Foi penetração mesmo. Me deixou uns dias traumatizado. Ele ainda disse: 'Não conta nada para o seu avô'", relembra.

"A cicatriz vai permanecer comigo, me feriu por dentro. Me assustei. Mas hoje eu sei: não é porque sou uma mulher trans que podem fazer o que quiserem."

Fonte: UOL

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