As regras de isolamento social que mantêm — ou deveriam manter — a
população do Rio em casa afetam diretamente as atividades de prostitutas,
criando sérios desafios para as transexuais, como mostra hoje o site britânico
"The Guardian". A reportagem conversou com algumas profissionais de
sexo que trabalham nas ruas da cidade, uma delas Stefany Gonçalves, 26, do
Espírito Santo. Ela diz que a vida tem sido muito difícil desde que o
novo coronavírus chegou.
"É realmente difícil, porque quase não há ninguém na rua. Eu
trabalho como prostituta, então o que acontece? É terrível", afirma.
"Ainda saio, ainda faço sexo, porque se não fizer, vou morrer de
fome".
Stefany diz que está recebendo alguma ajuda durante o período de
quarentena. "Graças a Deus, há pessoas que veem isso. Eu ganhei uma doação
básica de alimentos. Há pessoas que estão fazendo um pouco."
Ela afirma que já recebeu o pagamento do auxílio emergencial do governo
(R$ 600), a primeira parcela de três previstas.
"Se era difícil para nós antes, é ainda mais agora", diz.
"Estou no grupo de risco, fico mais em casa agora".
A paraibana Elba Tavares, 44, mora no Rio há 20 anos. Ela conta que não
vive mais da prostituição, mas que "sim, vendo meu corpo".
"Você pode ver como é: ruas vazias, lojas fechadas, a economia
decadente. Existem muito poucos clientes".
"Como estou sobrevivendo? Bem, você pode ver", diz Elba.
"Eu recebo um pouco do governo, mas não é muito. Às vezes, posso ficar na
casa de alguns amigos".
"Este é um país semidesenvolvido. O que é mais desenvolvido aqui
são o crime e a corrupção. E quando o governo não vale nada, nada mais
vale", afirma.
Campanha para doar
alimentos
De acordo com o site, uma campanha de arrecadação foi criada para ajudar
a fornecer alimentos e produtos essenciais de higiene a trabalhadoras trans do
sexo no bairro da Lapa, região boêmia no centro do Rio de Janeiro.
A Casa Nem, um abrigo para pessoas LGBTIQA+ em Copacabana, organizou a
distribuição de cestas básicas para pessoas trans e outras pessoas vulneráveis
na área. O abrigo também está trabalhando com o grupo Capacitrans para produzir
máscaras faciais feitas por mulheres trans que trabalham em casa.
A fundadora da Casa Nem, ativista trans e ex-trabalhadora de sexo
Indianare Siqueira, viveu a epidemia de aids na década de 1980. "Foi uma
época quando muitas pessoas na sociedade brasileira deram as costas às pessoas
LGBT. Mas a pandemia de covid-19 afeta a todos e todos estão em risco",
ela diz.
Em 13 de março, quando o coronavírus se espalhou pela Europa, ela
colocou o abrigo em bloqueio. "Eu tive a experiência da aids e sabia que
isso [coronavírus] poderia chegar ao Brasil", disse ela.
A entidade tem um espaço reservado para colocar em quarentena os
recém-chegados, como Caíque Gomes, 20, que fugiu da casa dos pais, no bairro de
Bangu (zona oeste da cidade), porque eles se opunham à maneira como ele se
vestia e se comportava sendo um homem gay.
"Aqui, vi que é muito diferente. Nós podemos ser quem queremos ser,
livres", disse ele.
Siqueira acredita que a violência e os ataques contra pessoas trans
aumentaram desde a eleição do presidente de direita Jair Bolsonaro (sem partido), conhecido
por seus muitos comentários homofóbicos, diz o site.
"Esse
isolamento social pelo qual a sociedade está passando é o que as pessoas LGBT e
especialmente os travestis e transexuais sempre viveram", diz ela.
"Espero que as pessoas aprendam com isso".
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