'Se não fizer sexo, vou morrer de fome', diz trans do Rio a site britânico

Ricardo Nogueira/Folhapress

As regras de isolamento social que mantêm — ou deveriam manter — a população do Rio em casa afetam diretamente as atividades de prostitutas, criando sérios desafios para as transexuais, como mostra hoje o site britânico "The Guardian". A reportagem conversou com algumas profissionais de sexo que trabalham nas ruas da cidade, uma delas Stefany Gonçalves, 26, do Espírito Santo. Ela diz que a vida tem sido muito difícil desde que o novo coronavírus chegou.

"É realmente difícil, porque quase não há ninguém na rua. Eu trabalho como prostituta, então o que acontece? É terrível", afirma. "Ainda saio, ainda faço sexo, porque se não fizer, vou morrer de fome".

 

Stefany diz que está recebendo alguma ajuda durante o período de quarentena. "Graças a Deus, há pessoas que veem isso. Eu ganhei uma doação básica de alimentos. Há pessoas que estão fazendo um pouco."

Ela afirma que já recebeu o pagamento do auxílio emergencial do governo (R$ 600), a primeira parcela de três previstas.

"Se era difícil para nós antes, é ainda mais agora", diz. "Estou no grupo de risco, fico mais em casa agora".

A paraibana Elba Tavares, 44, mora no Rio há 20 anos. Ela conta que não vive mais da prostituição, mas que "sim, vendo meu corpo".

"Você pode ver como é: ruas vazias, lojas fechadas, a economia decadente. Existem muito poucos clientes".

"Como estou sobrevivendo? Bem, você pode ver", diz Elba. "Eu recebo um pouco do governo, mas não é muito. Às vezes, posso ficar na casa de alguns amigos".

"Este é um país semidesenvolvido. O que é mais desenvolvido aqui são o crime e a corrupção. E quando o governo não vale nada, nada mais vale", afirma.

Campanha para doar alimentos

De acordo com o site, uma campanha de arrecadação foi criada para ajudar a fornecer alimentos e produtos essenciais de higiene a trabalhadoras trans do sexo no bairro da Lapa, região boêmia no centro do Rio de Janeiro.

A Casa Nem, um abrigo para pessoas LGBTIQA+ em Copacabana, organizou a distribuição de cestas básicas para pessoas trans e outras pessoas vulneráveis na área. O abrigo também está trabalhando com o grupo Capacitrans para produzir máscaras faciais feitas por mulheres trans que trabalham em casa.

A fundadora da Casa Nem, ativista trans e ex-trabalhadora de sexo Indianare Siqueira, viveu a epidemia de aids na década de 1980. "Foi uma época quando muitas pessoas na sociedade brasileira deram as costas às pessoas LGBT. Mas a pandemia de covid-19 afeta a todos e todos estão em risco", ela diz.

Em 13 de março, quando o coronavírus se espalhou pela Europa, ela colocou o abrigo em bloqueio. "Eu tive a experiência da aids e sabia que isso [coronavírus] poderia chegar ao Brasil", disse ela.

A entidade tem um espaço reservado para colocar em quarentena os recém-chegados, como Caíque Gomes, 20, que fugiu da casa dos pais, no bairro de Bangu (zona oeste da cidade), porque eles se opunham à maneira como ele se vestia e se comportava sendo um homem gay.

"Aqui, vi que é muito diferente. Nós podemos ser quem queremos ser, livres", disse ele.

Siqueira acredita que a violência e os ataques contra pessoas trans aumentaram desde a eleição do presidente de direita Jair Bolsonaro (sem partido), conhecido por seus muitos comentários homofóbicos, diz o site.

"Esse isolamento social pelo qual a sociedade está passando é o que as pessoas LGBT e especialmente os travestis e transexuais sempre viveram", diz ela. "Espero que as pessoas aprendam com isso".

 Fonte: UOL

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