Pesquisa sobre como vive a população T foi paralisada na pandemia; prefeitura diz que ampliou rede assistencial
Dhiego Maia
SÃO PAULO
Ariadna de Oliveira, 23, pensa em Deus toda vez que escuta a palavra coronavírus. “Ele não vai deixar essa doença chegar aqui”, diz.
Sob a pista do elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, Ariadna encontrou um lugar no centro da capital paulista onde vivem mulheres trans como ela.
O local é conhecido como a “casa de vidro” do Minhocão. O apelido faz referência à casa do Big Brother Brasil, pela sensação que as moradoras têm de serem observadas o tempo todo.
No chão sujo, a cearense amontoa pedaços de madeira usados para o preparo da comida. Dorme no seu colchão ao lado das amigas, sobre uma estrutura por onde se dissipam os ventos dos trens que circulam no subterrâneo da metrópole.
É, por isso, que a casa imaginária também carrega outro nome: maloca da Marechal, por causa da presença da estação do Metrô, da linha 3-vermelha.
Ariadna e o amigo Lucas, um dos poucos gays que moram no local, agradecem a vizinhança pelas máscaras de pano e pelos frascos de álcool em gel que ganharam nos últimos dias. “É a solidariedade desse povo que está mantendo a gente viva, com comida para todas refeições do dia”, conta Ariadna.
Nessa casa sem CEP, as meninas também sabem devolver o cuidado que recebem. Elas mantêm um cantinho da doação, com calçados, roupas e até comida que são distribuídos aos mais necessitados.
As moradoras da maloca têm um histórico de abandono familiar, vício em drogas e trabalho na prostituição.
Nascida em Fortaleza (CE), Ariadna deixou a casa da mãe para ganhar a vida em programas sexuais na cidade de São Paulo. Por sete meses, conciliou a “pista” com a fome e a violência nas ruas. Largou tudo e conseguiu uma vaga na maloca há dez dias.
“A luta, aqui, é por banheiro”, diz ela. A falta de um espaço de banho é ainda mais urgente devido à disseminação do novo coronavírus, mas também para a recuperação de Maria Eduarda Visconde, 35, outra moradora trans da maloca.
Duda, como é conhecida, está com tuberculose e muito debilitada —passa o dia deitada. Uma pilastra do elevado mais próxima da "casa de vidro" é o banheiro de Duda.
Uma vez ao dia, as amigas retiram Duda do colchão, fazem um cercadinho de cobertas junto à pilastra e dão banho de caneca na sem-teto, que diz ter nascido em Presidente Prudente (SP) e mora nas ruas há muitos anos.
De poucas palavras, Duda afirma não ter sentido fome ultimamente, mas que “precisa se alimentar mais para sair logo dessa”. Até o ano passado, as trans da Marechal precisavam apenas atravessar uma rua para acessar o banheiro da estação do metrô. Mas o espaço foi interditado.
Também contavam com os banheiros do Castelinho da rua Apa, prédio histórico gerido pela ONG Clube de Mães do Brasil, que foram fechados temporariamente, conta Maria Eulina Hilsenbeck, fundadora da entidade e ex-moradora de rua.
“A gente conseguia fornecer, em média, uns 80 banhos ao dia. Mas tive que fechar os banheiros porque todos os nossos monitores voluntários estão no grupo de risco da Covid-19”, diz Hilsenbeck.
Fonte: Folha de S. Paulo
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