Os quadrinhos estão saindo do armário. Em relação aos quadrinhos gays, não é de hoje. A dupla de caubóis gays, Rock & Hudson ficaram famosos quando surgiram pelas mãos e imaginação do cartunista Adão Iturrusgarai no final da década de 1980. Agora, porém, é a vez dos personagens trans se libertarem e ganharem os holofotes.
Uma amostra desta transição no universo das HQ's pode ser conferida na Comic Con Experience (CCXP) 2019. O maior evento de cultura pop do Brasil acontece em São Paulo entre os dias 5 e 8 de dezembro, na SP Expo, com a participação de quase uma dezena de quadrinistas trans.
A produção recente flerta com a abertura do mercado para o tema. No cinema, na música e na televisão o espaço vem aumentando, já teve até o primeiro beijo trans em horário nobre, na novela A Dona do Pedaço, na TV Globo.
Nas HQ's, a maior parte das obras ainda é autobiográfica, personagens funcionam como alter egos de seus autores, espelhando sentimentos, posicionamentos políticos, dramas e muitos desafios.
Quem abriu a porta do armário foi Hugo, criado pela Laerte na década de 1990, que transicionou para Muriel em um processo paralelo ao que viveu a autora. "Era um personagem meio desorientado e confuso, mais ou menos como eu me sentia em relação a tudo", conta a quadrinista.
A transformação de Hugo ocorreu de forma espontânea, afirma Laerte. "Com o tempo ele começou a se travestir, primeiro em situações farsescas, para fugir disso ou daquilo, e de repente começou a fazer isso de graça, sem nenhuma motivação, só se montando mesmo."
E a transição do personagem funcionou como um elo que a colocou em contato com o mundo real das travesatilidades e da transgeneridade. "Foi quando comecei a me experimentar e a fazer o mesmo, a Muriel foi acompanhando esse meu movimento, e me permitiu refletir sobre o que isso representa na intimidade, na política e na sociedade."
Trans na CCXP
É uma ficção, mas baseada em sua vida real, observa a artista. "Coloquei tudo que gostaria de ter experienciado e conhecido durante a minha própria transição". Mas isso não significa que a personagem seja só uma travesti na trama, garante The Joco. "Ela vivência questões que vão além do gênero."
A HQ da The Joco traz cinco personagens trans que se envolvem em um ritual satânico. A série será publicada na internet a partir de dezembro.
Sem espaço para ficção, o livro "Pequenas Felicidades Trans", da quadrinista carioca Alice Pereira, 46, também será apresentado na CCXP. "É um trabalho totalmente autobiográfico", define a autora. "Conto a história da minha vida desde a infância, mas destaco a fase da transição de gênero e as emoções que afloram nesse período."
Com tom mais ativista, a quadrinista, também do Rio de Janeiro, Lana Clarisse, 22, trabalha com tirinhas e ilustrações abordando a temática LGBT, por meio de mensagens positivas e informações que ajudem a desconstruir preconceitos.
Atualmente publica na internet dois trabalhos que abordam de diferentes maneiras a temática da transgeneridade. Em "Mundo Meio Roxo" retrata o cotidiano de uma jovem trans e de seus amigos LGBT's. "Mostro conflitos diários que vivemos nesse país".
No outro, "Diário de sun", traz o ponto de vista de uma criança trans bem agitada e com muita imaginação. "Se fala pouco sobre isso, dizem até que não existe, mas nenhuma pessoa transgênera nasce adulta", defende Lana.
Outra HQ trans na CCXP é a "Transistorizada", publicada desde 2016 pela quadrinista carioca, de Paraty, Luiza Lemos, 42. Segundo a autora, um híbrido de ficção e vida real. "É um quadrinho pseudoautobiográfico."
A artista, que participou das últimas três edições da CCXP, comemora o aumento do espaço para artistas trans. "Em 2016 eu era a única, no ano seguinte teve mais uma quadrinista comigo, neste ano nem sei dizer quantos participam."
O cofundador da CCXP, Ivan Costa, também não sabe quantificar o aumento da participação de expositores trans na edição deste ano. "Contabilizar é uma forma de discriminar, as inscrições são avaliadas pela qualidade do que o artista pretende levar."
Mas o crescimento da participação de pessoas trans carrega um recado para a sociedade, sobretudo por causa do cenário político atual, observa Costa. "As pessoas estão sendo impelidas a se expressarem como uma forma de defesa e elas sabem que aqui podem ser quem quiserem ser."
Os temas representatividade e gênero no universo da cultura pop estão também na programação da CCXP na forma de diversos painéis de debates.
E vale lembrar ainda que o espaço não está crescendo apenas na CCXP. Em junho deste ano foi realizada em São Paulo a primeira edição da Poc Con, feira LGBT de quadrinhos que reuniu mais de 70 artistas, entre eles oito quadrinistas trans. A segunda edição está confirmada para 2020, novamente na mesma semana da Parada do Orgulho LGBT.
Fonte: UOL
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