O primeiro gargalo para a inserção de travestis e pessoas trans no mercado
de trabalho formal está na formação básica, ou seja, na escola. "As
pessoas transexuais e travestis recebem o maior estímulo à expulsão do ensino
básico formal", avaliou, hoje (6), Dani Albi, primeira professora trans da
Escola de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
na palestra de abertura do seminário Aprendizagem Profissional:
alternativas e perspectivas para as juventudes, promovido pelo Centro
Integrado Educação Escola (Ciee), na Academia Brasileira de Letras (ABL).
Dani Balbi é doutora em letras pela UFRJ e diretora Nacional da UNALGBTQI+,
entidade civil representativa de pessoas LGBT (sigla de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).
Segundo Dani, não há políticas públicas de inclusão ou debate sobre a
necessidade de um ambiente diverso no âmbito escolar, "por conta das
diversas omissões que os agentes da educação constroem em relação à transfobia
nesses espaços, o que resulta em mais de 70% de pessoas trans e travestis
abandonando o ensino básico formal e não concluindo o ensino médio".
De acordo com a professora, esse é um dos fatores determinantes para que
entre 80% e 90% das pessoas que se autodeclaram transexuais e travestis estejam
no mercado da prostituição, fora do mercado formal. O índice elevado se mantém
há alguns anos, disse.
O segundo gargalo, indicou a professora da UFRJ, é a falta de política de
inclusão já no ambiente da empregabilidade, por parte dos investidores e
empregadores. "Acabam não construindo, nos seus processos de seleção,
fatores e condicionantes para que as pessoas trans e travestis se candidatem.
E, muitas vezes, além de não construírem esses condicionantes na seleção para o
preenchimento de vagas, acabam construindo outras barreiras, não empregando-os
explicitamente, discriminando tacitamente pessoas transexuais e travestis. Tudo
isso acaba entregando essa realidade, que são pessoas trans e travestis fora do
mercado formal, no Brasil".
Aprendiz Legal
Dani Balbi disse acompanhar há algum tempo o Programa Aprendiz Legal,
parceria do Ciee com a Fundação Roberto Marinho, que oferece a jovens na faixa
etária de 14 a 24 anos de idade a oportunidade de ter acesso a uma formação
profissional e cidadã por meio da união de teoria e prática. O programa dá ao
jovem a chance de aliar o estudo ao trabalho decente.
"Eu tenho visto um esforço muito grande, principalmente da equipe do
Ciee no Rio de Janeiro, de construir essa ponte entre o formando e a empresa,
numa perspectiva do acolhimento à diversidade. Já participei de outras
atividades que visam debater a diversidade, a inclusão da diferença, a
oportunidade das pessoas trans e travestis do ponto de vista da formação, do
ponto de vista da sensibilização do empregador para o acolhimento da
diversidade, e isso é um ponto positivo, sim".
O cumprimento de um papel civilizatório por parte da empresa, diante do
jovem candidato a uma vaga de trabalho, independente de gênero, é um fator
importante para a mudança do cenário de exclusão no Brasil, disse Dani Balbi.
A professora acredita que o Brasil vive "agudamente" suas
contradições nos últimos anos. Para ela, há agentes públicos da sociedade civil
que estão comprometidos com a pauta da diversidade e sensíveis em relação à
necessidade de ter um país mais plural, mais dinâmico em todos os âmbitos. Mas
em contrapartida, ressalta, há uma reação muito forte "conservadora, uma
onda reacionária, retrógrada, que visa impedir esse movimento".
Dani Balbi reconhece que há uma tendência que caminha para o alargamento da
diversidade, mas pondera que existe também uma disputa política no seio da
sociedade civil que desemboca na necessidade de movimentação para reverter esse
cenário, "que ainda é de extrema exclusão, que entrega para as pessoas
LGBT de maneira geral uma situação de extrema vulnerabilidade".
Diversidade
O analista de Aprendizagem do Ciee Luan Costa disse que ainda não há dados
oficiais sobre a empregabilidade de pessoas trans no mercado de trabalho
brasileiro. Ele disse, no entanto, que tem percebido "um movimento
interessante das empresas com relação à ampliação da diversidade".
Luan acredita que a aprendizagem é um bom fomento nesse sentido, porque
estimula a continuidade do estudo.
Para o analista, a empresa que investe na juventude, independente de gênero,
está investindo também na diversidade no mercado formal do país. "O
preconceito começa em casa e, depois, se estende à escola. E, muitas vezes,
acaba afastando a pessoa trans do mercado formal".
Exemplo
Ariel Louise, 23 anos, moça trans contratada pela Uber há um ano, disse que
o processo de seleção foi bem tranquilo. Ela já havia trabalhado antes em um
salão de cabeleireiro e em uma empresa de itens para festas. Agora, na área de
administração da Uber, Ariel lida diretamente com o público e não tem queixas a
fazer. "Todos me tratam bem. Não vejo nenhuma discriminação".
Ela disse que pretende voltar, no próximo ano, às aulas da Faculdade de
Serviço Social, que trancou no quarto período.
Seminário
O seminário debateu avanços e necessidades da aprendizagem ao longo dos 19
anos de promulgação da Lei
10.097 e 14 anos do Decreto 5.598/2005, revogado pelo Decreto nº 9.579/2018. O Ciee Rio estimula as empresas
parceiras a contratarem, preferencialmente, adolescentes em situação de
vulnerabilidade social e as auxilia no cumprimento da cota de contratação de
aprendizes exigida por lei e na formação de seus futuros talentos.
Fonte: UOL
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