SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Aos 34 anos e com a consciência de que não terá mais um longo tempo de carreira pela frente, Tifanny Abreu, a primeira jogadora transexual na Superliga feminina de vôlei, divide suas atenções entre as quadras e a plenária da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Na última terça (8), a atleta trocou o tênis pelo sapato, vestiu roupa social e foi para a Casa. Ela é uma das pessoas que tentam barrar o projeto de lei que limita a atuação de transgêneros no esporte paulista.
A proposta do deputado Altair Moraes (Republicanos) estabelece que o sexo biológico seja o único critério para definir se um atleta deve competir na categoria feminina ou masculina. Se aprovada, determinará que mulheres trans só poderão competir entre homens, e homens trans, entre mulheres.
"Querem nos proibir de estar no mercado de trabalho e buscar outro tipo de vida digno como queríamos. Não que as meninas na prostituição deixem de ser dignas. Algumas gostam e, se gostam, têm esse direito. Mas a maioria está ali porque não tem outra opção", diz em entrevista à reportagem.
Tifanny ganhou notoriedade ao estrear na Superliga feminina de vôlei pelo Bauru, no final de 2017. Criada em uma família com católicos e evangélicos, sofreu desde então com críticas vindas de políticos representantes dessas bancadas. "Vivemos em um governo onde tem deuses. Tem Deus na boca e não no coração", afirma.
A atuação da jogadora no país é avalizada pela Confederação Brasileira de Vôlei, que segue os critérios do COI (Comitê Olímpico Internacional). A determinação da entidade é de que mulheres trans podem competir na categoria feminina se comprovarem ter nível de testosterona abaixo de 10 nmol/L.
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Pergunta - Caso a lei em discussão na Alesp seja aprovada, você teme pelo fim da sua carreira?
Tifanny Abrey - Não vai mudar em nada na minha vida, não existe time de vôlei somente em São Paulo e posso jogar em qualquer lugar do mundo. Eu pretendo jogar no Brasil até o ano que vem e [depois] vou voltar para a Europa. Se for aprovada, só [entrará em vigor] depois que acabar a Superliga [o torneio começa em novembro e vai até abril].
Então como ela afetaria sua vida?
TA - Estou aqui lutando por crianças e adolescentes trans, que têm o sonho de serem cantor, ator, repórter ou atleta profissional. Eu não perco mais o meu dia de sono, como já cheguei a perder, porque esse homem [Altair Moraes] só quer ganhar fama. Mas a justiça de Deus não falha. Ele vai pagar por isso, e eu vou estar na Europa, bem bonitinha, batendo palma.
Como estão outros atletas trans e a comunidade esportiva em geral diante dessa lei?
TA - Não existem atletas trans no Brasil. As atletas [de vôlei em geral] estão pasmas com tanta falta de caráter. Nós estamos perplexas, ainda mais por entrar em regime de urgência [na tramitação da Casa], sendo que urgência no estado deve ser educação, saúde e segurança pública. A urgência é parar as pessoas trans no esporte? A comunidade esportiva, no geral, só se preocupa com o COI, que está acima das confederações, federações. O COI determina, e as entidades seguem. Essa lei vai contra as decisões do COI, e com qual embasamento?
O projeto afirma que o nível de testosterona entre homens e mulheres é bem diferente...
TA - Não tem uma pesquisa. Ele simplesmente se juntou com a [ex-jogadora de vôlei] Ana Paula e fez isso. Mas não tem nenhum embasamento. Em 2016, o COI decidiu as novas diretrizes e, então, [disse] que não necessitava cirurgia de sexo, era só a testosterona. Fiz [também] a cirurgia, e minha testosterona nunca vai subir porque não tenho produção.
O deputado diz que fez esse projeto baseado em sua experiência de 'quase 40 anos como faixa-preta de karatê'.
TA - Pergunta se ele lutou contra algum homem trans? Qual a vivência, qual o contato em uma luta para saber se a força é igual, maior ou menor de um homem trans? Ele compara Michael Phelps com Joanna Maranhão. O Michael Jordan com a Hortência. Giba com Sheilla. Não se compara homem com mulher. Estamos falando de mulheres trans e homens trans. É só pegar os meus pontos da Superliga e comparar com as outras jogadoras, vai estar tudo igual. Isso ele não faz, porque sabe que vai ser um estudo inconclusivo para ele.
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