Festa da Chiquita: o baile gay e trans durante a maior procissão do Brasil

Festa da Chiquita, o baile de gays e trans no meio da maior procissão do Brasil - Felipe Pereira

A Festa da Chiquita, em Belém, é o Carnaval ao contrário. Em fevereiro, as pessoas dançam e bebem até a chegada do tempo de reza, a Quarta-Feira de Cinzas. No baile que acontece no meio da Amazônia, a reza vem antes.

No final de semana do Círio de Nazaré, procissão que leva milhões de devotos às ruas, prostitutas, gays, lésbicas, trans e travestis capricham no "look" para uma noitada na madrugada de sábado para domingo.

Leona Vingativa (foto abaixo) foi um dos pontos altos da 41ª edição. A cantora soltou o vozeirão e dançou o tanto que se espera de uma mulher escolhida como Trans de Ouro do baile. Ir até o chão é uma definição incompleta para ela.

A apresentação terminou com o público gritando "Leona, Leona, Leona". A artista teve que fazer até discurso. Agradeceu a Deus e a Nazinha, um dos vários apelidos que o povo de Belém dá a Nossa Senhora de Nazaré. Coisas da intimidade. A cantora lembrou que, quando era prostituta, via as outras meninas faturarem muito, mas ninguém a escolhia para sair. "Tive de virar artista", brincou.

Felipe Pereira

Festa de resistência

O discurso de Leona Vingativa não é isolado. A Festa da Chiquita se tornou patrimônio cultural imaterial brasileiro por defender a causa LGBTQI+. No relatório que elaborou, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) ressaltou que se trata de "um baile com caráter de resistência, de contestação, de busca de espaço e reconhecimento social pelos homossexuais".

Organizador do evento, Eloi Iglesias diz que é uma festa de marginalizados que ganhou o respeito de Belém. O evento nasceu em 1978 voltado para pessoas gays, travestis e agregados. E como tem agregados hoje em dia. Héteros de várias idades faziam o que se espera em um baile.

"É uma festa de confraternização, mas do lado pagão. As pessoas bebem, dançam, fumam, namoram e transam com a bênção do sagrado", explica Iglesias.

Felipe Pereira

Ele lembra que nem sempre o baile foi desta magnitude. No começo, em 1978, só gays, trans, prostitutas, artistas e jornalistas davam as caras. A Chiquita acontecia com todos no chão. Era a repetição no Círio de um bloco de Carnaval de mesmo nome que só cantava a música "Chiquita Bacana", de Caetano Veloso.

Mas a inclusão na maior procissão do Brasil coincidiu com a mudança de rumo da Festa da Chiquita. Hoje, o evento tem palco com muita luz, milhares de pessoas pagando R$ 10 para ficar dentro de um cercado e muitas outras acompanhando um pouco mais de longe.

Homenagem a Gretchen

Entre as atrações da Chiquita está a premiação de uma figura importante para a causa LGBTQI+. Neste ano, foi Gretchen. Ela foi cercada de mimos desde que chegou a Belém. Na sexta, participou de festa com Fafá de Belém e no sábado foi saudada pelo povo da Chiquita.

"A Gretchen foi escolhida neste ano porque é um dos maiores símbolos da revolução sexy moderna. Ela foi muito discriminada por ser a rainha do bumbum. É libertador para todo mundo hoje dançar mexendo até o chão. Ela também é mãe e conviveu com a luta e dor de um filho trans. Tem o filho trans mais famoso do Brasil que é o Thammy. A Gretchen é muito simbólica", diz Eloi.

Mas a festa não é só dos famosos. Lily Deverô (foto abaixo) causou ao aparecer no palco com um casacão que foi arrancado depois de um minuto cantando. Debaixo dele, havia um globo de festa e um vestido arrastando no chão como o de uma noiva, mas com as cores do arco-íris.

Mais um pouco de performance e o vestido já era. O último figurino da cantora foi um tubinho brilhante tão arrasador quanto o vestido de Marilyn Monroe. Meia arrastão completava o look. A apresentação arrancou gritos a cada peça que ia ao chão. O ato final foi Lily Deverô esticar os braços e revelar asas de borboletas. O público fez óóóóó.

Felipe Pereira

Resistência e prevenção

Em meio à catarse, havia pequenos discursos com conselhos para se prevenir de Aids, estudar, brigar por direitos e pedidos de união. A política conservadora do presidente Jair Bolsonaro fazia dele persona non grata na Chiquita.

Iglesias explica que está é uma fase mais madura e politizada da festa. Acrescenta que no começo se resumia a farra. O prêmio principal, o Viado de Ouro, era pura zoeira. "Não tinha concepção politizada. Era no sentido de brincadeira, uma escolha caricaturada que hoje ficaria feia."

A politização começou na década de 1980 e fez a fama da Chiquita em Belém. A mulher trans Isabella Valentina, 25, foi pela primeira vez e se arrependeu de não ter ido antes. Ela conta que sempre participa do Círio e agora anotou no calendário mais um evento para ir.

"Não é só hétero que tem fé. Nós queremos homenagear Nazaré e também ser respeitadas. Ninguém precisa mais se esconder", afirmou.

Fonte: UOL

Comentários