Cacau Miler está presa na Penitenciária Industrial de
Joinville (SC), uma unidade exclusivamente masculina. Lá, cumpre pena de 12
anos por tráfico de drogas, roubo e furto, segundo a Justiça.
Quando chegou, sua identificação era Elvis Moisés
Teixeira. Mas, como se identifica como mulher transexual, agora será
oficialmente conhecida pelo seu nome feminino, que deverá constar no
prontuário, graças a uma decisão judicial. Os funcionários do presídio deverão
ser orientados a chamá-la pelo nome social.
Aos 34 anos, também terá direito a produtos de asseio
pessoal, como hidratante, tinta de cabelo e lixa de unha, bem como acesso a
tratamento hormonal, caso queira. E Cacau quer.
Em
conversa por telefone com Universa, autorizada pela direção do presídio, Cacau
falou sobre o simbolismo da sua vitória na justiça.
Expressando-se com facilidade, ela demonstra conhecer
seus direitos. Por isso, foi atrás deles ao procurar, em abril passado, a
Defensoria Pública, responsável pela ação.
Quase
seis meses depois, no último dia 19 de setembro, a 3ª Vara Criminal e de
Execuções Penais da cidade determinou o fornecimento dos produtos, a mudança do
nome oficialmente e a alternativa do tratamento hormonal.
"Outras pessoas vão atrás do caminho que
abri"
"É
árduo o caminho que a gente percorre até chegar numa decisão dessas", diz
Cacau, que crê num ambiente mais receptivo a partir de agora na penitenciária,
que já tem um espaço de convivência para o público LGBT. Pelas suas contas, ao
menos outros cinco detentos do presídio devem buscar as mesmas garantias.
"Essas outras pessoas já disseram que vão atrás desse caminho que eu abri.
Então, tende a melhorar."
Cacau
conta que está em processo de transformação e deve começar a fazer tratamento
para os pelos.
"Para mim, isso é uma vitória e para o grupo LGBT. É
uma vitória porque eu estou abrindo precedentes para que outras pessoas tenham
os direitos respeitados. Espero que os governantes deem atenção para o público
LGBT", diz Cacau.
Para chegar à decisão que beneficiou Cacau, o juiz João
Marcos Buch citou preceitos do Conselho Nacional de Combate à Discriminação
sobre direitos a visita íntima, cabelos compridos e nome de acordo com a
identidade de gênero.
Também tomou como base a garantia da dignidade da pessoa
humana, segundo a Constituição Federal, bem como na aplicação da legislação
internacional de direitos humanos quanto à orientação sexual e identidade de
gênero.
Na decisão, o magistrado ainda mencionou a criminalização
da homofobia, decidida pelo Supremo Tribunal Federal em junho deste ano, e um
decreto do estado de Santa Catarina, de maio, segundo o qual transgêneros e
travestis têm o direito de serem chamados pelo nome social no âmbito da
administração do estado.
De acordo com Buch, o presídio de Joinville informou à
Justiça que já garantia à detenta acesso a produtos usados por mulheres. Para o
juiz, no entanto, são condições diferentes. "As necessidades que uma
mulher tem são diferentes das necessidades de uma travesti ou uma
transgênero."
Segundo ele, mais pedidos semelhantes ao de Cacau devem
surgir de agora em diante por haver uma "demanda reprimida" no
sistema prisional causada pela insegurança e por medo de exposição.
Exemplos de respeito às
diferenças no sistema carcerário
Também no sul do país, o respeito à identidade de gênero
nos presídios serviu de exemplo para a decisão a favor de Cacau que pode ser
parâmetro para garantia dos direitos de outros na mesma situação.
No Paraná, as pessoas transgêneros presas podem usar
roupas masculinas ou femininas, maquiagem e tintura de cabelo e mantê-los
compridos. A Portaria nº 87 do Departamento Penitenciário paranaense, publicada
no mês passado, assegura igualmente o tratamento hormonal, visita social e
íntima, e atenção integral à saúde.
A iniciativa partiu de um movimento paranaense voltado à
promoção dos direitos dos transgêneros, que estima haver 60 travestis e transexuais no sistema carcerário estadual.
O departamento prisional foi procurado, tendo em vista o
"alto grau de vulnerabilidade" dessas pessoas nas penitenciárias,
segundo Karollyne Nascimento, coordenadora do Transgrupo Marcela Prado.
Karollyne
reforça a intenção do grupo. "Não é passar a mão na cabeça de ninguém, cada
um tem um motivo por estar lá." Segundo ela, o que o público LGBT quer
para as pessoas transgêneros que estão nas penitenciárias paraenses é
"fazer com que elas não se sintam ainda mais excluídas da sociedade".
Na
avaliação da juíza Ana Carolina Bartolamei Ramos, que ajudou a elaborar a
portaria, agora é importante divulgar os direitos garantidos pela nova norma.
"A gente fez essa portaria e agora quer começar o trabalho de descobrir
[as detentas transgêneros] porque muitas têm medo de se identificar."
Fonte: UOL
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