Procuradoria de SP tem 1ª aposentadoria de transexual

Após alteração do registro civil, servidora pode usar regras para mulheres


Após trabalhar por 32 anos, 6 meses e 24 dias como servidora no MPSP (Ministério Público de São Paulo), Mary Fernanda Mariano, 54, se aposentou. Oficial de promotoria, ela foi a primeira transexual da instituição paulista que recebeu o benefício. 
No seu caso, foram aplicadas as regras de contribuição e de idade mínima para mulheres. “O MPSP descobriu que não teve casos como o meu quando eu entreguei os documentos para a minha aposentadoria ao setor de recursos humanos”, diz Mary.
“Eu espero que ele sirva de exemplo para outras pessoas, afirma. Hoje, ela vive na Itália.
Matemática por formação, a servidora acompanhava uma tia funcionária pública ao trabalho quando era criança. Desde então, segundo Mary, quis a mesma carreira. 
Mary Fernanda Mariano foi a primeira mulher transexual a se aposentar no Ministério Público de São Paulo

Após trabalhar quase 20 anos no MPSP, ela contratou um advogado para começar o processo de retificação de seus documentos, em 2005.
Conseguiu trocar de nome em 2008, depois de uma decisão judicial. Para mudar o sexo no registro civil, precisou entrar com outra ação judicial, finalizada em 2012.
“Confesso que foi difícil enfrentar a sociedade, mas soube ter jogo de cintura nas dificuldades que encontrei”, afirmou a servidora pública.
A aposentadoria de Mary levou o subprocurador-geral da Justiça, Wallace Paiva Martins Junior, a emitir um parecer publicado no Diário Oficial do estado. O documento foi assinado também pelo procurador-geral de Justiça do MPSP, Gianpaolo Smanio. 
O texto, de julho, serve para orientar as regras de futuras aposentadorias de funcionários transexuaisdo órgão.
“O servidor que teve seu registro de nascimento alterado no tocante ao nome e ao sexo tem direito à aposentadoria de acordo com esse estado”, consta no parecer.
Para Martins, o documento reflete elementos da Constituição Federal como isonomia e direito à dignidade.
“Espero que o mesmo tratamento seja dado a casos parecidos, mas não inovei no ordenamento jurídico”, diz ele. 
 
No serviço público, uma mulher se aposenta com idade mínima de 55 anos e 30 de contribuição, enquanto os homens contribuem por 35 anos, com idade mínima de 60. A reforma da Previdência em tramitação no Congresso deve mudar essas regras.
Mary entrou no MPSP antes de 1998, quando passaram a valer as regras atuais. Sua aposentadoria saiu antes de ela completar a idade mínima exigida de mulheres. No entanto, ela contribuiu por mais tempo.
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O parecer elaborado pelo subprocurador-geral fez referência a uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de março de 2018. 
A corte determinou que as mudanças de nome e sexo no registro civil podem ser feitas sem a necessidade de autorização judicial, laudos médicos ou cirurgia. Diferentemente da época dos processos de Mary, a retificação dos documentos hoje pode ser feita em cartórios e com mais agilidade. 
O efeito da decisão do STF, segundo Dimitri Sales, advogado e presidente do Condep (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo), é que os direitos e deveres de nome e sexo adquiridos são atribuídos ao homem ou à mulher transexual. 
A medida se aplica até a questão previdenciária no setor público e privado. “Tudo isso está sedimentado na decisão”, afirmou Sales. 
“Essa aposentadoria é fruto da luta de muita gente e é a conquista de um direito. É o Estado brasileiro que se constrói a partir da dignidade dessa mulher”, diz Sales. 
O parecer, na opinião dele, é um instrumento usado para afastar eventuais controvérsias. “Como estamos vivendo um momento difícil no país, o documento tem um papel sobretudo político.”
A professora de direito previdenciário e doutora em direitos sociais pela PUC-SP Érica Paula Barcha Correia elogia a iniciativa do órgão paulista. “Entendo como valoroso esse parecer do Ministério Público porque ele prestigia o direito fundamental da transexual à Previdência Social”, diz.
“O parecer preserva e faz valer o direito de liberdade e também o direito de igualdade. Nossa legislação infelizmente não acompanha a evolução das relações sociais. O direito padece de dinamismo”, afirma Correia.
Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), diz que o direito previdenciário é vanguarda em questões de orientação sexual e identidade de gênero.
“O primeiro a reconhecer direito de casal homoafetivo, por exemplo, foi o direito previdenciário. O direito civil é mais conservador”, afirma Bramante.
Informações relativas às aposentadorias são primeiro declaradas pela instituição na qual trabalhava o funcionário que foi concedido o benefício, segundo o TCE (Tribunal de Contas do Estado). 
O órgão tem, em seguida, a função de analisar a legalidade da aposentadoria e atestar a veracidade dos documentos enviados a ele. 
De acordo com informações do TCE, como regra, o processo de análise acontece no ano posterior à aprovação interna do benefício.
Mary começou a receber sua aposentadoria em julho deste ano. Mesmo tendo o benefício, a previsão é que seus documentos tramitem pelo TCE em janeiro de 2020.
Fonte: Folha de SP

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