
A atriz Gabriela Loran é alta, negra e, quando
conversou com Universa, durante o Fórum Sim à Igualdade Racial de 8
de agosto, em São Paulo (SP), tinha um cabelão trançado e os olhos com
delineador preto bem forte. Sua aparência, segundo ela mesma, garante
"passabilidade cis". O termo não existe no dicionário, e é usado para
explicar quando um transexual é "lido" como cisgênero pelos outros.
Seu rosto ganhou o Brasil quando ela foi anunciada
como a primeira atriz trans a participar de "Malhação, Vidas
Brasileiras", na TV Globo, em 2018. A notícia deu visibilidade ao tema. Um
ano depois, ela fala sobre representatividade, o peso de carregar a bandeira de
ser a "única atriz trans" da novela, seu processo transição de gênero
e o desafio dos próximos papéis.
Gabriela Loran:
transfobia cotidiana
O Brasil é o país que mais mata travestis e
transexuais no mundo. Gabriela viveu uma experiência recente, que mostra às
claras como a estatística é patente no cotidiano das pessoas trans. "Eu
estava fazendo um curso no Rio de Janeiro, voltado para mulheres trans e
travestis e, no período de oito encontros, mais ou menos dois meses, três
pessoas morreram. Isso me chocou muito", conta a atriz.
A vivência fez com que Gabriela revisitasse sua
história. "Privilégio não é uma palavra que cabe para o corpo trans, mas
eu tive oportunidade de fazer uma graduação [ela estudou artes cênicas na
Faculdade Casa das Artes de Laranjeiras, no Rio] e de ter um trabalho, onde
transicionei e pude estar respaldada pelas pessoas que já me conheciam. Mesmo
assim, é muito difícil ser trans."
Apesar da projeção nacional da carreira, Gabriela
vive entre o enfrentamento da transfobia (como no episódio em que uma
atendente de telemarketing se negou a chamá-la de Gabriela) e o peso de segurar
a bandeira da visibilidade trans.
"Troquei todos os meus documentos e fui pedir
para uma operadora de telefonia retificar meu nome no cadastro, porque eles me
ligavam e me chamavam pelo nome com que eu não me identificava. A funcionária
disse que não me chamaria de Gabriela porque tinha que respeitar o que estava
escrito lá", relata. "Era uma coisa básica. E tem muitas pessoas que
pensam assim", desabafa.

A artista reconhece, entretanto, a importância de
abrir caminhos para outras pessoas trans, não só na TV como no mercado de
trabalho comum.
"Às vezes a gente cansa de ser só atriz trans.
No entanto, é importante defender essa bandeira, é uma questão de
sobrevivência, porque a gente continua morrendo. Para que a gente pare de
morrer há duas formas: ter políticas públicas [de enfrentamento de transfobia]
e sendo vista. Foi incrível fazer 'Malhação', ser a primeira atriz trans, mas
eu não quero ser a única. Quero abrir portas para outras pessoas."
"Faz voz de
trans" e novos trabalhos
Mesmo dentro do meio artístico, Gabriela revela que
já ouviu comentários preconceituosos sobre sua forma de ser. Frases como
"você está muito feminina" ou "como você é montada?", em
referência à forma de montar o visual de drag queen, mostram que a
naturalização do corpo trans ainda está muito longe de acontecer.
"Trans não tem cara, não tem voz. Pode ser
qualquer tipo de cara, qualquer pessoa. Já recebi trabalhos em que disseram:
'fala igual a uma pessoa trans, para eu ver como que é?'. Existe muita
ignorância", pontua.
Apesar disso, Gabriela segue sua carreira buscando
personagens que sejam os mais diversos possíveis. Ela estará no filme
"Espetaculares", em que faz uma blogueira que não é identificada como
uma mulher trans. "O diretor disse que eu não precisava carregar nenhuma
bandeira. Ele me falou que se o público entender que sou uma mulher trans,
ótimo. Se não, ótimo também."
Gabriela também estará em uma série do Canal
Brasil, interpretando uma garota de programa que é trans e ajudará a personagem
principal a transicionar.
Questionada
por Universa sobre usar a profissão de atriz para contar um
pouco de sua história, Gabriela responde: "Hoje eu quero fazer qualquer
tipo de personagem. Mas, eu tenho que falar de pessoas cis que estão fazendo
personagens trans. Dada a circunstância do país em que a gente vive, é preciso
ter protagonismo aí, sim. Mas eu quero ser o mais diversa possível."
Comentários
Postar um comentário