Aos 11, menina trans é barrada em campeonato de patinação

Maria Joaquina garantiu vaga em disputa sul-americana, mas não foi convocada; liminar que determinava participação foi derrubada na Justiça


A patinadora Maria Joaquina: direito de competir garantido pela Justiça (//Arquivo pessoal)

A liminar que permitia que a menina Maria Joaquina Cavalcanti Reikdall, de 11 anos, participasse do Campeonato Sul-Americano de Patinação Artística foi derrubada pela Justiça neste sábado, 20. A decisão, que havia sido dada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, caiu após um recurso apresentado pela Confederação Sul-Americana de Patinação Artística.
Maria Joaquina é uma criança transexual e foi impedida de competir na categoria internacional apesar de ter ficado na segunda posição do campeonato brasileiro – o que lhe garantia a vaga automática na competição sul-americana. A menina não foi convocada, sob a justificativa de ser uma criança transgênero e seus pais recorreram à Justiça.
O Campeonato Sul-Americano de Patinação Artística ocorre até o dia 30 de abril em Joinville (SC). Maria Joaquina se apresentaria na próxima segunda-feira 22.
O empresário e professor Gustavo Uchoa Cavalcanti, de 37 anos, pai de Maria Joaquina, disse que após a classificação da filha na etapa nacional, ele recebeu um e-mail da Confederação Brasileira informado que ela não poderia competir na esfera internacional entre as meninas. Uma das principais polêmicas envolvendo atletas transexuais femininas é que essas pessoas teriam níveis mais altos de testosterona circulando no organismo, o que lhes daria vantagens físicas sobre as outras meninas.
Maria Joaquina foi impedida de participar de uma competição internacional de patinação por ser transgênero (//Arquivo pessoal)

“A regra previa classificação automática para a competição internacional para os cinco primeiros colocados. Maria Joaquina ficou em segundo lugar e não foi convocada. Imaginei que a Confederação Brasileira, ao autorizar sua participação na competição nacional, teria comunicado a Confederação Sul-Americana da sua inscrição”, afirma Carvalho, que procurou a entidade em busca de esclarecimentos.
Em resposta ao pai, a Confederação Sul-Americana alegou que as inscrições dos atletas são baseadas no sexo de nascimento, cujos documentos de identidade confirmem a que categoria pertencem: registro de identidade masculino, categoria masculina; registro de identidade feminino, categoria feminina. Finalizou dizendo que “tal conceito não é passível de contestação”. O processo de retificação do nome de Maria Joaquina está na Justiça desde o ano passado, ainda sem decisão.
Ainda insatisfeito com a explicação, Carvalho procurou a World Skate – órgão máximo da patinação artística. A resposta começa com “antes de mais nada, a Federação Internacional tem por obrigação concordar em aceitar atletas transgêneros”, mas segue a mesma linha de posicionamento da Confederação Sul-Americana. Diz, basicamente, que, “além das taxas de testosterona, há outras normas e condições que os atletas precisam aceitar”.
Apesar de a patinação sobre rodas não ser um esporte olímpico, as duas entidades se posicionam contrariamente ao que determina o Comitê Olímpico Internacional (COI) desde 2016. Naquele ano, a entidade mudou a sua resolução sobre atletas transexuais em competições oficiais e determinou que homens trans podem participar dos eventos da entidade sem nenhuma restrição e as mulheres trans precisam apenas ter a quantidade de testosterona controlada para poder competir em equipes femininas. Determinou o COI que as mulheres não podem ter mais de 10 nanomol por litro (unidade de medida que indica a quantidade de testosterona) do hormônio no sangue nos 12 meses anteriores à competição. A necessidade de cirurgia de redesignação do sexo também deixou de ser obrigatória.
A tese envolvendo os níveis de testosterona de Maria Joaquina é imediatamente derrubada pelo pai da menina, que esclarece que ela ainda nem entrou na puberdade, portanto, seus níveis de testosterona são como o de qualquer criança, seja menino ou menina. “Maria Joaquina ainda é uma criança. Ela é acompanhada frequentemente por um endocrinologista, que faz as medições das taxas hormonais. Maria Joaquina tem 0,5 nmol/l de testosterona no sangue, enquanto a irmã mais nova dela, Talia, tem 0,7 nmol/l”, afirma Cavalvanti.
Além do acompanhamento com endocrinologista, Maria Joaquina é paciente há dois anos do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS), no Hospital das Clínicas de São Paulo. O ambulatório, coordenado pelo psiquiatra Alexandre Saadeh, é o primeiro e único no país a atender crianças e adolescentes com questões de gênero. Lá, a menina é monitorada a cada 45 dias. “O bloqueio hormonal da produção de testosterona só acontecerá quando ela entrar na puberdade. Por enquanto, a orientação que recebemos é apenas de acolher e cuidar”, explica Carvalho.
Fonte: VEJA Abril

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