Por causa de trabalhos sobre gênero, prefeitura de Uberlândia veta participação de alunos em feira de ciências
RIO - No início desta semana, 35 crianças esperavam apresentar seus trabalhos na tradicional Feira de Ciências da Universidade Federal de Uberlândia, mas acabaram frustradas. A prefeitura da cidade, na noite anterior à mostra, proibiu a apresentação de seus alunos e professores no evento. O motivo, segundo relatos, seria um pedido de um vereador para que dois trabalhos, que abordavam a desigualdade de gênero, fossem retirados da feira. Depois da requisição, a prefeitura vetou todas as apresentações.
— A minha enteada estava toda animada para mostrar seu trabalho. O dela não tem nada a ver com questões polêmicas e ela investiu muito. O evento é tradicional na cidade, existe toda uma preparação e, do dia para a noite, proíbem. Achei um absurdo — contou Roberto Silveira, padrasto de uma das meninas que se apresentaria.
A Feira de Ciências está na sua 23ª edição e conta com apresentações de trabalhos de alunos das redes municipal, estadual e federal, do ensino fundamental e médio. A disputa para participar é grande. O evento só comporta 100 apresentações e, neste ano havia 143 inscritos. O critério de seleção parte por uma comissão com professores especialistas na área e membros do governo.
Os dois trabalhos, cujos títulos eram "Desigualdade de gênero" e "Discussão de gênero: Desnaturalizando a desigualdade de gênero dentro das escolas", tinham passado por todas essas etapas.
Os nomes das pesquisas chamaram a atenção de três pais, que entraram em contato com o vereador Doca Mastroiano (PR/MG). A crítica feita pelos responsáveis era de que aquela temática não deveria fazer parte de um evento que teria a presença de crianças de 8 anos.
— Pedi aos responsáveis na Prefeitura que, ao ver que os pais não estavam satisfeitos, achou por bem cancelar tudo. Eu não pedi para cancelar tudo. Pedi para que esses dois trabalhos fossem estudados e explicados —afirma Doca.
Quando questionado sobre que análise seria essa, o vereador respondeu que a preocupação é perceber se o conteúdo é condizente com o ensino básico.
— Temos que ver se as pessoas estão capacitadas para falar de um tema destes — disse Doca, mas sem explicar se a comissão organizada pela universidade já não seria suficiente.
A prefeitura, até o fechamento desta reportagem, não se posicionou oficialmente sobre a motivação para retirar sua rede escolar do evento.
Para o professor Adevailton Bernardo, coordenador da feira desde 2010, o que mais espantou foi a maneira como foi conduzida a exclusão dos estudantes do município.
— Na sexta-feira, recebi mensagens pelo WhatsApp de alguns profissionais da prefeitura perguntando se dava para retirar esses dois trabalhos. Nunca foi uma posição oficial, eram comentários de pessoas ligadas à administração. Disse que os trabalhos tinham passado por uma seleção, que, quando havia problemas, eles eram reenviados para correções e que seria injusto retirá-los. No domingo à noite, começaram a circular mensagens em grupos dizendo que a prefeitura proibiu a participação de seus profissionais no evento. Nem falaram com a gente — reclama Adevailton.
Na manhã de segunda, a maior parte dos trabalhos apresentados seria de alunos da rede municipal. Eram previstos 50, a maioria nem foi ao evento. Alguns poucos pais resolveram levar seus filhos para apresentar mesmo sem a presença de profissionais das escolas. Para evitar problemas, em cada apresentação, o nome da escola era suprimido nos estandes pôsteres. Adevailton aponta que a falta de diálogo foi o que mais prejudicou neste episódio.
— Respeitamos as opiniões. Se a denúncia tivesse vindo até a gente, teríamos conversado. Quem retirou o trabalho só viu o título, não viu seu conteúdo. Foi uma atitude totalmente autoritária. O que temos que fazer é lamentar muito e a prefeitura também, já que até agora não deram uma justificativa para o veto.
Fonte: O Globo
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