A INFELIZ NAÇÃO DO TRANSFEMINICÍDIO




No Brasil a maior parte da população das mulheres transexuais e das travestis, que trabalham informalmente ou na prostituição, são cotidianamente exterminadas. Neste sentido, é ressaltada a luta deste segmento populacional que é fortemente marginalizado, estigmatizado e explorado moral e sexualmente em diversos contextos: educacionais, econômicos, culturais e políticos e que inúmeras vezes permanece vítima da violência e do abuso sexual. A esses atentados contra o direito à vida desses dois segmentos sociais denominamos como transfeminicídio, reforçando que a motivação dessa agressão ocorre por conta do gênero, ou da real identidade de gênero dessas pessoas, ou seja, misantropia, misoginia e transfobia. O conceito feminicídio foi gravado inicialmente para significar os assassinatos sistemáticos de mulheres. O transfeminicídio se assinala como um artifício disseminado, propositado e sistemático de assassinato da população das mulheres transexuais e das travestis no Brasil, motivada pela aversão e abjeção.


Qual o quantitativo de mortes é suficiente para concluirmos esse aniquilamento?  O Brasil assassinou ao menos 868 (oitocentos e sessenta e oito) travestis e transexuais nos últimos oito anos, o que o deixa, disparado, no topo do ranking de países com mais registros de transfeminicídios. Os resultados, desta investigação foram contabilizados, de forma documental, em janeiro de 2018, e foi lançado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais - ANTRA, o Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 2017. A ANTRA acredita que a mortandade das mulheres transexuais e das travestis é uma demonstração exorbitante do machismo, racismo e da intolerância transfóbica contra essa feminilidade na sociedade cisnormativa.





Contudo, quando essa feminilidade se apresenta num corpo nascido com pênis, esse ser feminino é sujeito a objetificação sexual e completamente desvalorizado socialmente, pois existe um transbordamento da consciência coletiva que é estruturada na credibilidade de que a identidade de gênero é uma demonstração dos anseios de uma genitália. O que este transbordamento significa? Que não há nenhum aparato conceitual e/ou linguístico que explica a existência da população das mulheres transexuais e das travestis. Deste modo, há algo de poluente e contaminador na feminilidade das mulheres transexuais e das travestis, com diferentes condições de exclusão, desde a negritude até as condições sociais e de moradia, que precisam ser melhor explanados.



No de 2017, foram escriturados 169 (cento e sessenta e nove) assassinatos de Mulheres Transexuais e Travestis e 10 (dez) assassinatos de Homens Trans no Brasil. Entre as agressões físicas, as lesões corporais foram as mais reportadas, seguidas de maus-tratos, o que não esgotam os casos, visto que muitos desses não estão dispostos nas mídias.



O quantitativo numérico, da população brasileira das mulheres transexuais, das travestis e dos homens trans é de 140 (cento e quarento) assassinatos até o dia 05 de novembro de 2018. São mais de 44 (quarenta e quaro) tentativas de transfeminicídio e 63 (sessenta e três) violações de direitos humanos, civis e sociais. Os números seriam ainda maiores, uma vez que ficam claros que em todos os casos existem requintes de crueldade, intenção na ação transfeminicida e motivação sob prática de intolerância transfóbica e racista.



Durante vários anos, inúmeras mulheres transexuais e travestis resistem e persistem para ser reconhecidas por um gênero distinto do que foi imposto no nascimento. O respeito às Mulheres Transexuais e às Travestis de firmarem-se como Mulheres e Gênero Feminino, em uma sociedade igualitária, é o de tornarem-se cidadãs e seres humanos na sua integridade e dignidade. No entanto há um processo sucessivo de extermínio e apagamento dessa parcela da população brasileira.



A informalidade profissional no que se refere à prostituição é entendida de diversas formas pelas mulheres transexuais e pelas travestis:



(1) como uma atividade desprestigiosa, com a qual só se envolvem por necessidade, saindo da mesma assim que possível;



(2) como uma forma de ascender socialmente e ter conquistas materiais e simbólicas;



(3) como um trabalho, sendo, portanto, geradora de renda e criadora de um ambiente de sociabilidades.



Essas não são posições estanques e definitivas, mas pontos de vista e percepções que se entrecruzam e dialogam. Como categoria de espaço e simbologia  ligada à noite, à boemia, aos prazeres e à prostituição , a rua é sedutora. Essa sedução rueira, o sonho do deslocamento entre Brasil-Europa e a facilidade na própria independência financeira pode ser encontrado de forma recorrente em algumas publicações sobre a temática de travestis e mulheres transexuais.



Nota-se que a fundamentalização deste tipo de violação dos direitos sociais fundamentais, como direito a existência e à vida da população das mulheres transexuais e das travestis é a espetacularização exemplar, já que os corpos transformados e remodelados importam e implicam na medida em que contribuem para coesão e reprodução da cisnormatividade genérica a qual definem o que genitálias determinam. Da mesma forma que a sociedade precisa de modelos exemplares, de heroínas, as não exemplares, as párias, as prostitutas abomináveis também são estruturantes para o modelo de sujeitos que não devem habitar a nação.



_"Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino."_ *(O Segundo Sexo* - _escritora e feminista, Simone de Beauvoir/1967_)



_São Paulo/SP, 08 de novembro de 2018._



*Fernanda de Moraes da Silva -*
Iyálòrísá de Candomblé, Teóloga,
Assistente Social e Pós-Guaduada em Direitos Humanos e Sexualidade,
Secretária Executiva Geral da ANTRA,
Coordenadora do FONATRANS no Estado de São Paulo,
Presidente do Instituto APHRODITTE-SP;
Fontes: ANTRA  Associação Nacional de Travestis e Transexuais.



*Colaboração:* Bruna Benevides, Secretária de Articulação Política



*Referências bibliográficas*
BENEDETTI, M. _Toda Feita: o corpo e o gênero das travestis_. Rio de Janeiro, Garamond, 2005.



Bento, B. Brasil: _País do Transfeminicídio._ CLAM, 2014.

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