Keila Simpson é presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) |
Pessoas
transgêneras (termo que inclui transexuais e travestis) têm o direito garantido
por lei de alterarem seu prenome (nome civil) e gênero (seja masculino ou
feminino) no registro civil, sem a necessidade de cirurgia de redesignação de
sexo ou de autorização judicial. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a
possibilidade dessas alterações em 1° de março de 2018, no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275.
Essa
decisão histórica contou com a participação da advogada Gisele Alessandra
Schmidt e Silva, a primeira transexual brasileira a subir à tribuna da Suprema
Corte do país para defender e conquistar esse direito. “Sou uma vencedora,
principalmente porque fui peça fundamental para a decisão do STF, no que
concerne a visibilidade para a causa”, afirma Gisele, que também é
representante do Grupo Dignidade, organizado no Paraná para atuar na área da
promoção da cidadania de LGBTI+.
Gisele Alessandra Schmidt e Silva foi a primeira transexual brasileira a subir à tribuna do STF |
Para
Keila Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(Antra): “O direito de poder alterar o próprio nome e gênero, além de garantir
a própria identidade, evita constrangimentos em público e facilita a inclusão
social”.
Tanto a
ativista Keila como a advogada Gisele afirmam que, antes de terem suas
identidades atuais reconhecidas legalmente, passaram por diversas situações
humilhantes, como, por exemplo, terem de se apresentar em ambientes públicos,
como salas de atendimento coletivo, com documentos que não condiziam com o que
realmente são. “Isso gera um constrangimento terrível e fere sua
dignidade”, diz Gisele.
Entenda como funcionava antes
Até a validação da ADI 4275 por parte do STF, a
pessoa trans que quisesse mudar de nome a fim de adequá-lo à identidade
autopercebida tinha dois caminhos:
“Pela via de processo judicial era necessário a pessoa apresentar laudos psicológicos e psiquiátricos atestando que se tratava de transgênero. As vidas eram escrutinadas e o Estado decidia quem ela era. E muitas vezes, após o longo processo judicial, o juiz indeferia o pedido, ou exigia que fosse feita a cirurgia de redesignação social, ou ainda mudava o primeiro nome e mantinha o gênero, o que continuava gerando constrangimento”, explica a advogada Gisele.
“Pela via de processo judicial era necessário a pessoa apresentar laudos psicológicos e psiquiátricos atestando que se tratava de transgênero. As vidas eram escrutinadas e o Estado decidia quem ela era. E muitas vezes, após o longo processo judicial, o juiz indeferia o pedido, ou exigia que fosse feita a cirurgia de redesignação social, ou ainda mudava o primeiro nome e mantinha o gênero, o que continuava gerando constrangimento”, explica a advogada Gisele.
O outro
meio, esclarece a presidente Keila, era o requerimento de nome social, que,
comparado à ação judicial, significava uma solução mais rápida e econômica.
“Pessoas que não queriam enfrentar um processo que poderia levar dois anos em
tramitação até a retificação de prenome tinham essa opção. O nome social, ainda
em vigor, é uma política de inclusão levantada por todo um movimento de pessoas
trans e adotada por órgãos da administração pública para evitar situações
vexatórias”, argumenta.
Apesar de
já estar sendo superado pelo novo direito adquirido em lei (o de fazer a
retificação de prenome e gênero oficialmente em cartório), o nome social ainda
pode ser solicitado e usado em cadastros, programas, serviços, fichas,
formulários, prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da
administração pública. “Carteirinhas com nome social não substituem o RG, que é
o documento oficial, mas por constarem o mesmo número de identificação, dados
civis, filiação e endereço da pessoa trans ajudam muito na hora de ir ao
médico, à escola e até a prestar um vestibular”, comenta Keila, lembrando que,
nesse caso, o nome de registro (o civil) é utilizado apenas para fins
administrativos internos.
Procure por um cartório de
Registro Civil
Atualmente,
para as pessoas trans registrarem as mudanças de nome civil e sexo na certidão
de nascimento, elas precisam apenas ter completado 18 anos e procurar um
cartório de Registro Civil. “Preferencialmente, onde o nome de batismo foi
registrado, mas pode ser em outro, só que daí demora um pouco mais e taxa é
mais alta”, orienta a advogada Gisele.
O
procedimento passou a ser feito exclusivamente nos cartórios de todo o país. No
local, basta preencher pessoalmente o requerimento de alteração, apresentando
RG, CPF, título de eleitor, comprovante de residência e certidões civis e
criminais para saber o que consta em seu nome antigo. “Não precisa de médico,
nem laudo, nem cirurgia. Depois de pagar algumas taxas, em questão de dias a
pessoa recebe uma nova certidão de nascimento e a partir dela começa a mudar
todos os seus documentos. Lembrando que os direitos e obrigações acompanham o
novo prenome, uma vez que os números dos documentos são os mesmos”, lembra
Gisele.
Os
sobrenomes também não mudam, pois pertencem à árvore genealógica da pessoa. O
que se retifica é o prenome (primeiro nome), por exemplo: Maria Figueiredo muda
para Mario Figueiredo (e vice-versa, dependendo se for mulher ou homem trans).
O Figueiredo não muda.
Quanto
aos nomes compostos, também podem ser trocados por outros compostos ou por um
nome simples e o contrário também vale. “Eu, por exemplo, me chamava Marcus
Alessandro Schmidt e Silva e depois Gisele Alessandra Schmidt e Silva, mas
poderia ter adotado simplesmente Gisele Schmidt e Silva”, comenta a advogada.
Escolha um nome que reflita quem
você é
Dúvidas
sobre que nome adotar são comuns, mas, de acordo com Gisele e Keila, para
encontrar um a pessoa trans precisa basicamente olhar para dentro de si, buscar
uma inspiração ou pessoa que gostaria muito de homenagear, e se imaginar sendo
chamada em público. “Meu nome Gisele, por exemplo, é uma homenagem à modelo
Gisele Bündchen, que considero ser uma grande mulher e virou meu apelido, pois
sempre fui magra e alta”, revela.
Já o de
Keila vem desde a infância. “Keila surgiu de uma brincadeira de criança, eu e
minhas amigas gostávamos de nomes femininos, e um belo dia escolhi esse, que me
acompanha até hoje”, explica e conclui: “Não vivemos em guerra. Se existe uma,
não fomos nós que a declaramos, então não nos cabe ter ‘nomes de guerra’. O
nosso sonho é viver em paz e é por isso que levantamos essa bandeira, que
ganhou força e hoje nos dá o direito legal de alterar nossos nomes e gêneros da
maneira que quisermos. E isso é para a vida toda”.
Fonte: UOL
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